segunda-feira, 24 de julho de 2023

A IMPORTÂNCIA DO ANTIGO TESTAMENTO HOJE.

 

A IMPORTÂNCIA DO ANTIGO TESTAMENTO HOJE.

Rev. João Ricardo Ferreira de França.

            Nos dias hodiernos temos presenciado uma espécie de rejeição ao Antigo Testamento. Especialmente quando procuramos em nossas listagens de sermões (se por acaso tenhamos alguma) quantos nós pregamos no Antigo Testamento, iremos observar o quanto o negligenciamos!

            Por que há tanta negligência neste particular? Uma das respostas a ser oferecidas trata-se da distância cultural entre o texto do Antigo Testamento e a nossa cultura atual. Richard Pratt jr, declara:

[...]nosso tempo é diferente do mundo do Antigo Testamento. Os avanços tecnológicos criam um distanciamento. Não usamos carruagens e espadas; usamos misseis nucleares  e sistemas de defesa por satélite. Sociologicamente, não somos doze tribos vivendo na Palestina; somos inúmeros congregações por todo o mundo. Até mesmo o caráter sobrenatural de muitos acontecimentos fazem com que pareçam distantes de nós. Os evangélicos creem que os milagres relatados na Bíblia ocorreram de fato. O machado de ferro de Eliseu literalmente boiou na água (2º Reis 6.1-7); fogo do céu realmente caiu  sobre o sacrifício de Salomão no Templo (2º Crônicas 7.1)[1] 

            A importância deste texto Antigo se revela na necessidade que temos de compreender as verdades do Novo Testamento a luz do Antigo; essa pressuposição é básica pra a compreensão da mensagem e relevância do texto veterotestamentário. Walter C. Kaiser Jr nos lembra que é chegado “o momento de uma nova avaliação das nossas razões para evitar esta seção da Bíblia. Juntamente com um argumento favorável a procurar no Antigo Testamento as respostas para as questões contemporâneas...”[2]  É precisamente esta avaliação supramenciona por Kaiser que precisamos encarar, se acreditamos na unidade entre os testamentos, se cremos que a primeira parte das Escrituras se reveste de plena autoridade de igual modo a segunda parte.

A importância de se estudar o Antigo Testamento está no fato de que o mesmo é a fonte de revelação pactual para o povo de Deus. Aquilo que é dito sobre a totalidade das Escrituras se aplica de modo peculiar ao Velho Testamento, nas palavras de van Groaningen:

O registro escrito contém uma variedade de gêneros literários. experiências são registradas de um modo jornalístico. A maior parte do registro consiste de eventos históricos descritos, avaliados, interpretados, vários tipos de material legal, pronunciamentos proféticos, admoestações em forma de sermão, diálogos hinos e orações. Mas incluídas em tudo isto, explícita ou implicitamente, estão as comunicações verbais de Deus. Tais comunicações são  fonte de unidade, harmonia, significado, propósito e valor do registro escrito.[3]

.Então, essa singela consideração já por si mesma suficiente para nos apresentar a suficiência e a importância do Antigo Testamento para os nossos dias. Reconhecer o caráter revelacional do Velho Testamento é fundamental para a prática da exegese saudável. Juan F. Martínez apresenta uma avaliação com perspicácia singular:

Para muitos cristãos o Antigo Testamento (AT) é algo assim como o apêndice do corpo humano. Se suspeita que em algum tempo passado teve certa importância, porém, no dia de hoje a sua utilidade é marginal. A parte de alguns salmos e uma série de histórias e biografias, o AT tende a ser um livro fechado para a margem da vida da igreja.[...] Porém se temos de “desmarginalizar” o AT, é vital entender a importância de sua mensagem para a vida e ensino da igreja. [4]

Walter C. kaiser Jr, nos apresenta algumas razões importantes pelas quais devemos considerar a importância do texto veterotestamentário. Alegando que o próprio texto sagrado sai em sua própria defesa[5], e apresenta de forma bem lacônica tal defesa:

1.     O Antigo Testamento é a Poderosa Palavra de Deus: Kaiser argumenta que a primeira seção da Bíblia está além de ser uma mera palavra de mortais escrita para a humanidade, o livro sagrado possui uma variedade de estilos, revelando a individualidade, dons e talentos dos escritores, mas ressalta que a “preparação dos autores foi uma obra de Deus” e que a mensagem registrada resulta da revelação de Deus. Argumentando que a vocação profética pode-se dá desde o ventre (Jr. 1.4-5) ou pode ser tardia (Is.1-5), a insistência dos autores em afirmar que recebiam uma revelação de Deus e que deveriam ser distinguidas de suas própria palavras, norteiam a maneira como estudar a revelação divina no Antigo testamento (Jr. 23.28,29), Kaiser argumenta que nenhum cristão do Novo Testamento, incluindo o apóstolo Paulo aceitaria uma diminuição do Antigo testamento, e ressalta a importância do mesmo ao escrever sobre sua suficiência em termos tão majestosos (2ª Tim 3.16-17)[6]

2.     O Antigo Testamento nos leva a Jesus, o Messias: Combatendo a ideia dispensacionalista (a ruptura entre o Antigo e Novo Testamento) Kaiser nos diz que tal ruptura traz em seu bojo um dos resultados mais trágicos na história do povo pactual. Pois, sugere que no Antigo Testamento não há nada de messiânico a ser buscado, a ser estudado, na verdade o Novo Testamento fica sem sentido completamente. Walter Kaiser argumenta  que o conceito messiânico está no âmago da mensagem do Antigo Testamento onde há aproximadamente 456 textos veterotestamentários que fazem alusão direta ao Messias. E segue argumento em prol da defesa de que o Velho Testamento aponta para Cristo desde o pentecostes (Atos 2.16-36) e textos relacionados como Joel 2.28-31; e o salmo 16, 110, eles são claramente apresentados no Novo Testamento como messiânicos e aplicados a Cristo, e a conclusão inescapável é que o Antigo Testamento conduz os homens a Cristo, pois, o Antigo Testamento fala de Jesus (Jo. 5.39)[7]

3.     O Antigo Testamento trata das questões da vida: Acredito que boa parte da negação da importância do Antigo Testamento está naquilo que chamamos da “Ditadura da relevância”! O Velho Testamento parece ser um texto muito distante e não tem nada a dizer à nossa cultura atual. Kaiser mais uma vez fala dessa relevância. Revelando que o escopo do Antigo Testamento “sobre grandes questões da vida é extremamente amplo e assombroso no seu aspecto prático”, então, ele ilustra isso de forma interessante; como, as questões ecológicas e da dignidade humana expressa nos primeiros capítulos de Gênesis (1-11); sobre as relações intimas e conjugais expressas em Cantares de Salomão, e “uma teologia da cultura, no livro de Eclesiastes”. As leis morais e o valor da vida humana conforme ensinada no Antigo Testamento mostram a sua relevância para hoje é singular.[8]

4.     O Antigo Testamento foi usado como a Autoridade Exclusiva na Igreja Primitiva: Esta argumentação é magnânima. A ênfase ao termo “Está escrito” e a palavra “Escritura” foi amplamente usado nos dias da Igreja Primitiva. o termo grego “gra,fh” [grafê] e o seu correlato “gra,fai”[grafai] na maioria de suas ocorrências no Novo Testamento se faz alusão ou referência ao Antigo Testamento. O Cristo ressurreto fundamenta todo seus sofrimento e glorificação nas Escrituras do Antigo Testamento ( Lucas 24.25-26).[9]

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

      O Antigo Testamento é importante para a igreja Cristã porque sua mensagem é como um alicerce no qual toda a teologia das Escrituras é construída; sem ele a mensagem redentiva não encontra sentido é justificativa.

      O Antigo Testamento é relevante para nós hoje porque o Apóstolo Paulo assegura esta verdade em Romanos 15.4: “pois, tudo quanto, outrora foi escrito para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança

O argumento de Paulo é claro, que o Antigo Testamento é suficiente em matéria de doutrina e vida! Todo ensino (conhecimento, compreensão) que a igreja cristã possui é derivado e oriundo do Antigo Testamento. Todo conforto e consolo que a igreja neotestamentária precisa encontra-se no Velho Testamento, nele somos consolados e instruídos, no livro dos Salmos, por exemplo, somos confortados; e, em Provérbios somos instruídos na sabedoria; só para termos alguns exemplos do Antigo Testamento.



[1] PRATT JR, Richard. Ele nos deu História – Um Guia  Completo para Interpretação das Histórias do Antigo Testamento,  São Paulo: 2004, p. 358.

[2] KAISER JR, Walter C. Pregando e Ensinando a Partir do Antigo Testamento – Um Guia para a Igreja. Tradução: Degmar Ribas. Rio de Janeiro: CPAD, 2009, p.21.

[3] GRONINGEN, Gerard van. Revelação Messiânica no Antigo Testamento. Tradutor: Cláudio Wagner. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 54-55.

[4] MARTÍNEZ, Juan F. A Mensagem do Antigo Testamento para a Igreja de Hoje. Tradutor: João Ricardo Ferreira de França. São Raimundo Nonato – PI: Centro de  Estudos Presbiteriano, 2010, p. 5.

[5] KAISER JR, Walter C. Pregando e Ensinando a Partir do Antigo Testamento – Um Guia para a Igreja. Tradução: Degmar Ribas. Rio de Janeiro: CPAD, 2009, p.22

[6] ibid,p.22-27.

[7] Ibid, p.27-30.

[8] Ibid, p. 30-31

[9] Ibid, 31-33.

domingo, 23 de julho de 2023

Eclesiastes 5.1-7: O Temor Reverente a Deus.

 TEXTO BÍBLICO: ECLESIASTES 5.1-7

TEMA: TEMOR REVERENTE DIANTE DE DEUS

Rev. João França.

INTRODUÇÃO:

            Este texto que temos diante de nós é significativo pois lida diretamente com o tema da adoração ao senhor. Isto por si só é surpreendente porque o texto de Eclesiastes tem sido encarado como um livro que trata da perspectiva negativa da vida neste mundo. O texto é uma nova pericope pela mudança tônica de assunto “Guarda o teu pé quando entrares na casa de Deus” [vs.1] esta unidade é definida pelo inclusio através do uso dos imperativos presentes “guarda” (vs.1) e “teme a Deus”(7) deve-se considerar que no versículo 8 o tópico muda do cenário da adoração e volta-se para questão social no tema sobre “a opressão do pobre!”[1]

            Esta passagem pode ser tomada como um texto de instrução sobre a Adoração a Deus. Um dos temas significativos em todo a o Antigo Testamento. Por isso, “Eclesiastes 5 abre com uma exortação: é preciso ter verdade e reverência na adoração a Deus.”[2] Os imperativos usados aqui apontam que a intenção autoral é oferecer uma instrução sobre a adoração pública. Aqui Salomão utiliza quatro exortações significativas ou imperativos que estão diretamente relacionados ao serviço litúrgico no Antigo Testamento.

            Esse texto revela-nos que existem muitas pessoas que veem a igreja sem algum senso de santidade do culto. Sem o mínimo de reverência diante de Deus. Salomão ao proclamar estas verdades aqui enunciadas tem por finalidade tratar desta irreverência diante da Assembleia solene que é o culto a Deus. As vezes a Adoração tem sido apenas proforma! Mero ritualismo, mera convenção social, um mero programa para se fazer no domingo, os corações de muitos adoradores estão longe de seu objeto de Culto, que neste caso é Deus!

            A mera formalidade havia tomado conta do povo de Israel no Antigo Testamento. Malaquias retrata a degeneração litúrgica do povo da aliança.  Neemias trabalhou incansavelmente para que o dia de adoração no Antigo Testamento fosse honrado e o culto fosse valorizado (Neemias 13.15-21), vemos este servo do Senhor lutando contra aqueles que negociavam nesse dia. Essa conduta é terrível para uma pessoa que se diz adoradora do Senhor.

I – OUVINDO A DEUS COM REVERÊNCIA. (VS.1-3)

            A Pergunta é como devemos guardar o pé? Salomão oferece uma explicação, por assim dizer, desta pergunta: “”Chegar-se para ouvir é melhor do que oferecer sacrifícios tolos” aqui certamente aponta para a profunda reverência que os adoradores demonstravam, ou pelo menos deveriam demonstrar, quando ocorria os sacrifícios dos animais no ato da imolação, havia um silêncio, pois, aquilo indicava a recepção da oferta quanto do ofertante diante de Deus. Pois, havia o sentimento de que Deus estava ali presente naquele ato singelo.

            O processo do culto verterotestamentário estava em o Sacerdote ler a Lei de Deus e oferecer explicações da lei. E, ai temos a segunda linha do verso 1 quando diz “chegar-se para ouvir” – ouvir a Palavra de Deus é mais importante, na verdade é fundamental na vida do cristão. Ouvir a Deus na sua palavra é importante para o povo do pacto. A pregação da Palavra é a Palavra de Deus anunciada.

            Então, compete-nos indagar a Pregação é a Palavra de Deus? Quando se prega se está anunciando a Palavra de Deus? Em seu primeiro capítulo na Segunda Confissão Helvética,  Bullinger, fala-nos sobre isso nos  seguintes termos: A Pregação da Palavra de Deus é palavra de Deus. Por isso, quando a Palavra de Deus é presentemente pregada na igreja por pregadores legitimamente chamados, cremos que a própria palavra de Deus é proclamada e recebida pelos féis; e que nenhuma outra palavra de Deus deve ser inventada nem esperada do céu... T.H.L Packer nos lembra que “Isto não significa identificação absoluta da palavra pregada com a palavra escrita. As Escrituras são definitivas e supremas, inerentemente normativas, enquanto que a autoridade da pregação é sempre delas derivada e a elas subordinada.”[3] Não significa também que a pregação seja inspirada ou inerrante. Os pregadores, por mais fiéis que sejam na exposição das Escrituras, não são preservados do erro como o foram os autores bíblicos. Muito menos significa que os ministros da Palavra sejam instrumentos de novas revelações do Espírito. O próprio documento reformado acima citado repudia essa ideia, ao afirmar que “nenhuma outra palavra de Deus deve ser inventada nem esperada do céu.”[4] É na condição de embaixador que o pregador fala, ele transmite a Palavra de Deus. O próprio João Calvino ensina que a pregação é a Voz de Deus, pois, em seu comentário de Isaías ele afirma que na pregação “a palavra sai da boca de Deus de tal maneira que ela de igual modo sai da boca de homens; pois Deus não fala abertamente do céu, mas emprega homens como seus instrumentos, a fim de que, pela agência deles, ele possa fazer conhecida a sua vontade.”[5]

            Então, quando lemos Salomão declarar que devemos nos achegar na sua casa devemos está ali para “ouvir!” Agora consideremos a expressão “tolos” que aparece aqui neste texto. Será que prestar os outros elementos litúrgicos (como os sacrifícios) é algo sem sentido? Na verdade, o uso desta palavra aqui descreve a intenção tola destes adoradores, pois, eles acreditavam que eles poderiam ser aceitos diante de Deus quando ofereciam aquilo que não lhes era útil.

            Os animais apresentados para serem imolados muitas vezes eram defeituosos: cegos, coxos e doentes. Estes “tolos” também acreditavam que seus sacrifícios perdoavam instantaneamente os seus pecados! E que não necessitavam de arrependimentos. O ponto que o pregador aqui quer enfatizar é que devemos, antes de tudo ir ao culto ouvir o que Deus tem a nos ensinar, ouvir o que ele tem a dizer. Assim, como o povo de Israel no passado nós precisamos ouvir o que Deus tem a nos ensinar.

            Cristo também enfatiza a necessidade de ouvir a Deus constantemente e o seu ensino conforme lemos: Mateus 11.15; 13.9,43; João 8.47; Apocalipse 2.7,11,17,29; 3.6,13,22. Neste sentido a igreja deve ser reverente. Deve saber ouvir a Deus sempre!

            O segundo aspecto de uma adoração reverente envolve, também, a questão da oração. Observe o que Salomão nos ensina no versículo 2: “Não te precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma diante de Deus; porque Deus está nos céus, e tu, na terra; portanto, sejam poucas as tuas palavras.” Observe o termo “palavras alguma diante de Deus” [דָבָ֖ר לִפְנֵ֣י הָאֱלֹהִ֑ים] (davar lipenei há elohim)geralmente significa “no templo, na presença de Deus” – devemos moderar as nossas palavras diante de Deus. Isto porque o pregador apresenta a distância entre nós e Deus “está nos céus, e tu na terra” – notemos que a ênfase de Salomão é que devemos sempre guardar um silêncio sábio diante de Deus, ele repete isso no final deste verso 2: “portanto, sejam poucas as tuas palavras”. Notemos que a primeira orientação que Salomão faz para aquele que vem se apresentar diante de Deus é que ele deve “ouvir” e seja “tardio para falar” – moderação na fala! Jesus no Novo Testamento ensinou isso em Mateus 6.7-9: “E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos. 8 Não vos assemelheis, pois, a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais. 9 Portanto, vós orareis assim: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome;” Jesus aqui assegura-nos que as nossas palavras devem poucas. Isto porque Deus conhece cada uma das nossas necessidades.

            O pregador reforça a ideia da brevidade de nossas palavras “sejam poucas as tuas palavras” quando recorre um provérbio bastante conhecido no oriente próximo, conforme ele demonstra no versículo 3: “Porque dos muitos trabalhos vêm os sonhos, e do muito falar, palavras néscias.”.

            A ideia aqui no texto é que muitas preocupações levam os homens aos sonhos. Do mesmo modo a voz do tolo leva-o para palavras “nécias”. Vemos aqui uma ênfase nas atitudes dos tolos (1) em oferecer sacrifícios de tolo (vs.1); (2) “palavras tolas” (vs.3); o pregador opta pela moderação no uso das palavras quando se está diante de Deus.

II - CUMPRINDO COM NOSSAS PROMESSAS A DEUS (v. 4-6)

            Agora o pregador se volta para mostrar a importância do voto com ato de culto e adoração a Deus; entretanto, ele começa mostrando a atitude do “tolo” observe o versículo 4: “Quando a Deus fizeres algum voto, não tardes em cumpri-lo; porque não se agrada de tolos. Cumpre o voto que fazes.” – Deus não tem prazer no tolo, daí uma necessidade de sermos pessoas sábias que adoram a Deus. Aqui o pregador faz alusão direta ao texto de Deuteronômio 23.21-22: “21 Quando fizeres algum voto ao SENHOR, teu Deus, não tardarás em cumpri-lo; porque o SENHOR, teu Deus, certamente, o requererá de ti, e em ti haverá pecado.22 Porém, abstendo-te de fazer o voto, não haverá pecado em ti.

            A Escritura apresenta de forma abundante exemplos de votos que foram de pessoas sábias e de pessoas tolas. Uma destas pessoas é Ana conforme lemos fez um voto ao senhor por um filho que ao nascer seria devolvido ao senhor como servo no tabernáculo; Deus abençoou Ana e ela cumpriu seu voto; outra pessoa que nos vem a mente é o caso de Jefté que voto de tolo foi aquele daquele homem! Mas, infelizmente nem todos que assistem na casa cumprem adequadamente seus votos, Deus atendeu o voto, mas aquele que o fez não o cumpriu; então o pregador oferece mais uma orientação. O versículo 5 declara isso: “5 Melhor é que não votes do que votes e não cumpras.”

            O Novo Testamento oferece um exemplo surpreendente da ira de Deus quando a pessoa não cumpre seus votos. Ananias e Safira aparentemente votaram que entregariam o dinheiro da venda de uma propriedade à igreja para a distribuição aos necessitados. Mas, secretamente, retiveram para si parte do dinheiro. Pedro disse a Ananias: “Conservando-o, porventura, não seria teu? E, vendido, não estaria em teu poder?” Pela mentira, Ananias e Safira foram punidos com a morte, “e sobreveio grande temor a toda a igreja e a todos quantos ouviram a notícia desses acontecimentos” (At 5.4,11).[6]

Jesus ele ensinou a importância do juramento e do voto (Mateus 5.34-37) quando declara:

34 Eu, porém, vos digo: de modo algum jureis; nem pelo céu, por ser o trono de Deus; 35 nem pela terra, por ser estrado de seus pés; nem por Jerusalém, por ser cidade do grande Rei; 36 nem jures pela tua cabeça, porque não podes tornar um cabelo branco ou preto. 37 Seja, porém, a tua palavra: Sim, sim; não, não. O que disto passar vem do maligno.        

            A nossa Confissão de Fé de Westminster vai nos ensinar que o juramento e voto são da mesma natureza uma coisa está atrelada a outra. Não podemos quebrar um voto sem está quebrando a lei de Deus! “V. O voto é da mesma natureza que o juramento promissório; deve ser feito com o mesmo cuidado religioso e cumprindo com igual fidelidade.” (CFW, Cap.22, seção 5).

Hoje, na igreja, ainda fazemos votos a Deus. Quando nos casamos, prometemos diante de Deus vivermos juntos como marido e esposa “até que a morte nos separe”. Quando apresentamos nossos filhos para o batismo, prometemos instruí-los na fé cristã e conduzi-los no discipulado cristão. Quando somos ordenados como oficiais da igreja, prometemos cumprir fielmente esse chamado. Também podemos fazer promessas particulares a Deus na igreja: “Se Deus me curar, eu...” O ponto é: devemos cumprir essas promessas se quisermos adorar a Deus com reverência.[7]

A situação é tão séria que o pregador orienta: “Não consintas que a tua boca te faça culpado, nem digas diante do mensageiro de Deus que foi inadvertência; por que razão se iraria Deus por causa da tua palavra, a ponto de destruir as obras das tuas mãos?” Aqui parece que o pregador esteja fazendo referência aqueles que faziam votos em dá uma certa quantia ao templo! Então, quando eram abençoados não o faziam, e diziam que fez o voto de forma inadvertidamente ao mensageiro que era enviado para lembrar-lhe do voto que havia feito.

Muitos de nós temos esta atitude. Prometemos a Deus em voto contribuir com a Igreja caso uma causa, uma situação financeira seja resolvida, e quando vem a resolução. Então, quebramos a Lei de Deus. Note que o pregador insiste que agindo assim pode-se se inflamar a ira de Deus contra aquele que não cumpriu o seu voto!

O Pregador conclui com o verso 7: “Como na multidão dos sonhos há vaidade, assim também, nas muitas palavras; tu, porém, teme a Deus”. A primeira parte deste verso parece ser outro provérbio que reforça a orientação de que não devemos deixar que a boca nos leve ao pecado. Como muitos sonhos são vaidades, isto é, vazios e fúteis, assim também uma multidão de palavras na adoração é vazia e fútil. Até mesmo nossa adoração a Deus pode ser sem substância, fútil, por causa da “multidão de palavras”.

A última ordem que encontramos aqui é o temor a Deus. O alvo da igreja em sua adoração é promover e vivenciar o temor a Deus. Consequentemente, o Pregador conclui com uma última ordem: “Teme a Deus”. Em vez de usar palavras vazias, tema a Deus. O livro de Provérbios enfatiza que “o temor do Senhor é o princípio do saber” (1.7; cf. 9.10; 31.30). O Pregador diz que o temor do Senhor é o princípio da adoração. Temer a Deus não significa que devemos ter medo de Deus ou ficar aterrorizados quando estamos na sua presença. Temer a Deus significa que reverenciamos a Deus, que temos reverência por ele, que comparecemos à sua presença com reverência.



[1] Veja-se GREIDANUS, Sidney. Pregando Cristo a partir de Eclesiastes. São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p.141.

[2] RAYKEN, Phillip. Estudos Bíblicos Expositivos em Eclesiastes. São Paulo: Cultura Cristã,

[3] T. H. L. Parker, Calvin’s Preaching (Edinburgh: T&T Clark, 1992), p.23

[4] ANGLADA, Paulo. Introdução à Pregação Reformada – Uma Investigação Histórica sobre o Modo Bíblico-Reformado de Pregação. Ananideua – PA: Knox Publicações, 2005, p.61.

[5] Apud, ANGLADA, Paulo. Introdução à Pregação Reformada – Uma Investigação Histórica sobre o Modo Bíblico-Reformado de Pregação. Ananideua – PA: Knox Publicações, 2005, p.64

[6] Veja-se GREIDANUS, Sidney. Pregando Cristo a partir de Eclesiastes. São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p.151

[7] Ibid, p.152

quinta-feira, 20 de julho de 2023

CRISTO DESCEU AO HADES?

 

CREDO APOSTÓLICO: CRISTO DESCEU AO HADES?

Rev. João Ricardo Ferreira de França

INTRODUÇÃO:

            O nosso estudo neste momento compete considerar a declaração credal que diz “desceu ao hades” ou “descendi ad inferna[1], esta expressão tem sido debatida ao longo da história. A motivação desse debate é que tal expressão não pertence ao texto inicial do Credo Apostólico.

            A origem desta expressão é incerta! Kelly lembra que o problema desta expressão é que ela levanta toda discussão sobre o que de fato ela ensina:

Nenhuma das modificações do R que consideramos até agora pode ser considerada de importância decisiva. No entanto, há uma que realmente adiciona algo de substancial ao segundo artigo do credo e que envolve dificuldades exegéticas de ordem média - ELE DESCEU AO INFERNO (descendit ad inferna).[2]

Michael Horton em seu comentário ao Credo Apostólico toma esta expressão como sendo idiomática significando que o sofrimento de Cristo na cruz foi o seu inferno.[3]Esta é uma abordagem que boa parte dos reformados seguem. Inclusive Barth, de forma surpreendente, segue esta linha de interpretação.[4] Esta declaração que Cristo “desceu ao inferno”, lembra-nos, Berkhof “não é tão antiga e nem universal no credo”[5].

I – A HISTÓRIA DESTA EXPRESSÃO NO CREDO.

            A principal dificuldade que se tem com esta expressão “desceu ao inferno” é que ela não se encontra nas versões mais antigas do Credo Apostólico. Witsius, em suas dissertações sobre o Credo Apostólico,  afirma:

É digno de nota que, antigamente, aqueles credos que possuíam o artigo sobre a descida de Cristo ao inferno, não continham o artigo relativo ao seu sepultamento, e aqueles nos quais o artigo com respeito à descida ao inferno foi omitido, de fato continham o artigo relativo ao sepultamento.[6]

Se seguirmos esta abordagem de Witsius então aqui o somente enfatiza a morte de Cristo. “A palavra no original empregado no Credo é ínferos. A frase traduzida por “desceu ao inferno” apareceu pela primeira vez em uma das versões do Credo de Rufino, em 390, e depois não apareceu novamente em qualquer versão do credo, até o século VII”[7]. O próprio Rufino explica a razão desta inclusão quando declara que

a intenção da altearão do Credo em Aquiléia não foi a de acrescer uma nova doutrina, mas a de explicar uma antiga e, portanto, o credo de Aquiléia omitiu a cláusula foi crucificado, morto e sepultado e a substituiu por uma nova cláusula, descendi ad inferna[8]

No Credo de Aquiléia a declaração do símbolo apostólico era assim: “Creio em Jesus Cristo, seu Único Filho, nosso Senhor. O qual foi concebido por obra do Espírito Santo, nasceu da virgem maria padeceu sob Pôncio Pilatos foi crucificado, morto e sepultado,” ou terminava com “desceu ao inferno”; então esta expressão não fazia parte do Credo Apostólico original.

            Na verdade esta expressão “desceu ao hades” fazia uma permuta com “foi crucificado, morto e sepultado”. A expressão ora aparecia no lugar da expressão “crucificado, morto e sepultado”.  Ora era somente a expressão desceu ao hades que aparecia.

            Héber Carlos de Campos nos lembra o cerne do problema sobre este assunto quando ele mesmo diz:

Enquanto houve a omissão da cláusula “sepultado” e o aparecimento da cláusula substituta “desceu ao Hades” ou vice-versa, não surgiu nenhum problema teológico novo. Este apareceu quando as duas expressões acima apareceram no mesmo Credo, uma após a outra. Por volta do século VII, a cláusula descendi ad inferna apareceu em outros credos, mas como um acréscimo a crucificado, morto e sepultado e não como expressão substitutiva dessas coisas acontecidas a Cristo.[9]

Historicamente a igreja sempre entendeu que a expressão “desceu ao inferno” se trata de uma referência à crucificação, a morte e sepultamento de Cristo Jesus. A problemática se deu quando esta expressão apareceu após as expressões anteriores. E, novas ideias teológicas foram trazidas, e ensinos errados foram propagados a partir da inclusão dessa clausula.

II – AS CONCEPÇÃO TEOLÓGICAS NA COMPREENSÃO DA EXPRESSÃO “DESCEU AO INFERNO” NO CREDO APOSTÓLICO.

Consideremos agora as várias concepções teológicas sobre esta expressão que se tem no credo apostólico; em linhas gerais temos, quatro tradições cristãs que interpretam de modo diverso a expressão: 1. Católica Romana; 2. Luterana; 3. Anglicana e 4. Calvinista.

2.1 – A Concepção Romanista:

A Igreja Católica Romana a entende no  sentido de que, após a Sua morte, Cristo foi para o Limbus Patrum (paraíso dos pais), onde os santos do Velho Testamento estavam aguardando a revelação e aplicação da Sua obra redentora, pregou-lhes o Evangelho e os levou para o céu.

Como afirma o catecismo tradicional da Espanha, há quatro infernos: o inferno dos condenados, o purgatóriooel limbo dos infantes e o limbo dos justos ou seio de Abraão. O inferno ao que Cristo desceu não é o dos condenados, mas o lugar onde moravam as almas dos justos que morreram antes de ser consumada a redenção, e que recebe o nome de limbo dos justos (limbus Patrum).”[10]

2.2 – A Concepção Luterana.

Os luteranos consideram a descida ao hades como o primeiro estágio da exaltação de Cristo. Cristo foi ao mundo inferior para revelar e consumar a Sua vitória sobre Satanás e sobre os poderes das trevas, e para pronunciar a sentença de condenação deles. Alguns luteranos localizam essa marcha triunfal entre a morte de Cristo e Sua ressurreição; outros, após a ressurreição.

2.3 – A Concepção Anglicana:

A Igreja da Inglaterra sustenta que, enquanto o corpo de Cristo estava no túmulo, a alma foi ao hades, mais particularmente ao paraíso, a habitação das almas dos justos, e lhes fez uma exposição mais completa da verdade.

2.4 – A Concepção Calvinista:

João Calvino interpreta a frase metaforicamente, entendendo que se refere aos sofrimentos penais de Cristo na cruz, onde Ele sofreu realmente as angústias do inferno.

A interpretação do catecismo de Heidelberg é parecida. Segundo a posição reformada (calvinista) usual, as palavras se referem não somente aos sofrimentos de Cristo na cruz, mas também às agonias do Getsêmani.

III – ANALISANDO OS TEXTOS BÍBLICOS USADOS.

            As diversas tradições possuem abordagens significativas em prol da ideia que adotam sobre a declaração credal. E, usam algumas passagens para justificar que a descida ao hades é uma doutrina oriunda das escrituras.

a)     Efésios 4.9: “ora o que quer dizer subiu, senão que também havia descido até as regiões inferiores da terra?”. Esta passagem é evocada porque a expressão “regiões inferiores da terra” como sendo sinônimo de Hades. Aqui a referência seria “à vinda de Cristo à terra”[11] Calvino rejeita de forma contundente a ideia de que estas palavras significam “purgatório ou inferno”, e declara que estas palavras “nada mais significam que a condição presente na terra”[12], pois, boa parte dos comentadores “entende que a expressão se refere simplesmente à terra”[13]

b)     1ª Pedro 3.18-19:  Esta tem sido a passagem de maior debate nesta questão. A interpretação de que Cristo foi no inferno e pregado aos pais ou aos perdidos tem grande força no meio evangélico de modo geral. Porém, na tradição Reformada essa passagem entende-se que se refere a Cristo pregou aos contemporâneos de Noé, pois, era pregador da justiça de Cristo. (2ª Pedro 2.4-5). Quando Pedro fala dos espíritos em prisão, está se referindo aos contemporâneos de Noé. Que ouviram a mensagem de Cristo através dele, mas rejeitaram, sendo assim espíritos (vidas) em prisão.

c)     1ª Pedro 4.4-6:

Por isso, difamando-vos, estranham que não concorrais com eles ao mesmo excesso de devassidão, os quais hão de prestar contas àquele que é competente para julgar vivos e mortos; pois, para este fim, foi o evangelho pregado também a mortos, para que, mesmo julgados na carne segundo os homens, vivam no espírito segundo Deus.

O foco da discussão se dá no versículo 6 desta passagem. No contexto da passagem Pedro exorta a seus leitores a que não “vivam o restante de suas vidas na carne para as luxúrias  dos homens, mas para a vontade de Deus mesmo que isso ofendam aos seus ex-companheiros”, e, mesmo que eles sejam “ultrajados por eles terão que prestar contas a Deus” que está sempre pronto para “julgar vivos e mortos” – os mortos aqui são os que ouviram a pregação enquanto estavam vivos, pois, o propósito desta pregação era, em “parte, que fossem julgados na carne segundo os homens”[14]

CONCLUSÃO:

            E aqui terminamos o estágio de humilhação de nosso redentor Jesus Cristo. Vimos que a descida ao Hades de Cristo significa que o seu sofrimento na cruz foi o seu hades que o levou a mansão dos mortos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] A forma “ínferos” é usada hoje como uma referência ao lugar dos mortos, e não dos condenados.

[2] KELLY, J.N. D. Early Cristian Creeds .New York: Editora Continuum, 1972,.p378

[3] HORTON, Michael. Creio – Redescobrindo o Alicerce espiritual. São Paulo: Editora Cultura Cristã,2000,,p.100

[4] KARL, Barth. Credo – Comentário ao Credo Apostólico. São Paulo: Fonte Editorial, 2010, p.95.

[5] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1990, p.313

[6] Herman Witsius, Dissertations on The Apostle’s Creed, vol. II, reimpress„o (Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1993), 140.

[7] FERREIRA, Franklin. O Credo Apostólico – As Doutrinas Centrais da Fé Cristã. São José dos Campos – SP: Editora Fiel, 2015,p.177.

[8] CAMPOS, Héber Carlos de. “Descendit Ad Inferna” Uma Análise da Expressão Desceu Ao Hades No Cristianismo Histórico. In: Fides Reformata 4/1 (1999). São Paulo: Mackenzie, 1999, p.1-21

[9] Idem.

[10] OTT, Ludwig. Manual de Teología Dogmática, p. 301.

 

[11] ROGERS, Cleon; FRITZ, Leon. Chave Linguistica do Novo Testamento Grego. São Paulo: Editora Vida Nova, 1985, p.393

[12] CALVINO, João. Efésios – comentário bíblico. São José dos Campos – SP: Editora Fiel, 2007, p.93.

[13] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1990, p.313

[14] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1990, p.314

sexta-feira, 14 de julho de 2023

EU CREIO - UMA INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO CREDO APOSTÓLICO

 

EU CREIO

Rev. João França*

INTRODUÇÃO:

            Os cristãos reformados de modo geral são acusados de romper com a catolicidade da igreja. O teólogo Presbiteriano B.B. Warfield relembra essa ruptura em seu estudo sobre O Significado dos Padrões de Fé de Westminster como um Credo, ele declara:

Não há separação tamanha na história do pensamento humano como a fenda aberta entre a era apostólica e a imediatamente seguinte. Passar dos últimos escritos apostólicos para as primeiras composições de penas cristãs não-inspiradas é cair de uma altura tão vertiginosa que não surpreenderia se nos levantássemos aturdidos e quase incapazes de determinar nosso paradeiro. Aqui está a grande falha — como os geólogos diriam — na história da doutrina cristã. Há evidência de continuidade — mas, oh, quão inferior é o nível! O rico filão da religião evangélica quase se esgotou; e, embora haja massas de origem apostólica por todo lugar, nada são além de fragmentos, e claramente são apenas o talude que caiu do penhasco acima e se espalhou pela superfície inferior[1]   

Assim, também tem sido em relação ao Credo Apostólico. Muitos crentes ignoram completamente o seu uso, ou até mesmo a sua importância na construção de um cristianismo mais sólido que oferece resposta as inquietudes de nosso tempo. Nessa ruptura a igreja fica à mercê do subjetivismo experiencial que nos legou o pentecostalismo e todos os sistemas emotivos sem uma clara racionalidade da fé!

A palavra “Creio” no inicio do credo é uma espécie de preâmbulo. Isto é significativo, pois, esta palavra permeia a totalidade do credo “creio em Deus”, “Creio Jesus Cristo” e “Creio no Espírito Santo”. Isso implica que o ato de crer conforme o credo persegue a unidade de um sistema que exalta ao Deus Trino. Como nos lembra Franklin Ferreira que o “credo exige que eu, pessoalmente, confie de fato em Deus, que vem a nós como Pai, Filho e Espírito Santo.”[2]

I – A REALIDADE DA FÉ

            Quando nós lemos e declaramos “eu creio em Deus” se evidência diante de nós a realidade da fé. Ela persegue o seu objeto que é o Deus-trino! Então, cabe-nos a pergunta o que significa crer segundo o credo? Ou ainda o que se pode dizer do sentido da declaração “eu creio”? O que isto significa?

1.     Significa a rejeição da incredulidade:

O teólogo suíço Karl Barth declara que a fé é uma decisão na qual se manifesta a “rejeição da incredulidade”[3] a incredulidade do ponto de vista credal é a falsa concepção sobre Deus e sua revelação. Aqui rejeita-se tudo o que é contrário a revelação de Deus nas Escrituras.

O credo exige o ato do assentimento religioso para com a fé. E, nisto se estabelece a rejeição da incredulidade, e tal ato é uma resposta a revelação divina, não é isto que ensina o evangelho? “Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé!” (Marcos 9.24).

Isto não significa que ao rejeitar a incredulidade o homem provoca de si mesmo a fé. Porque peremptoriamente as Escrituras ensinam que a fé procede de Deus como um dom gracioso. “Portanto, tal fé que afirma ‘creio em Deus’, é um dom concedido e sustentado pelo Espírito Santo”[4] “A fé se apega à promessa de Deus, concorda com ela e assegura ao crente que Deus é graciosamente inclinado a ele em Cristo Jesus.”[5]A Escritura de forma clara apresenta a fé como sendo de fato um dom que Deus outorga aos homens (Atos 13.48; Efésios 2.8-9; Hebreus 12.2).

2.     Significa a afirmação da verdade.

Quando se declara “eu creio” no credo se está fazendo uma afirmação da verdade. A fé expressa no credo exige dos crentes afirmem a verdade; como bem coloca J.I.Packer: “A fé cristã significa ouvir, observar e fazer o que Deus diz”[6], isto lembra que é “essencial que os crentes entendam a necessidade de confessar sua fé” (Mateus 10.32; Romanos 10.9) e essa confissão ou afirmação também se dá quando “recitamos o credo no culto”.

E, deve-se lembrar que a essa fé deve “vir acompanhada de uma vida de compromisso com os valores do reino de Deus”.[7] Na declaração credal nós lidamos com a questão da fé como a homologação da verdade de Deus.

II – O CREDO E AS ESCRITURAS.

A segunda pergunta a ser feita é qual é a relação do Credo com as Escrituras? Alguém já disse que devemos lembrar que “o Credo é derivado da Sagrada Escritura. Cada linha é baseada nela. Em síntese, o Credo é o resumo daquilo  que é absolutamente essencial e inegociável para a fé cristã, de acordo com a Sagrada Escritura.”, e como pessoas tementes como “homens e mulheres em Cristo, somos chamados a dizer: ‘creio’”[8]

Toda a doutrina apresentada no Credo Apostólico é derivada das Escrituras e tem elas como fundamento único e sólido. Isto nos ensina que o Credo é a resposta à revelação de Deus dada ao homem; esta é uma resposta concatenada em proposições claras e simples.

Essa relação pode-se ser notada quando consideramos cada declaração que é feita no Credo Apostólico e a base bíblica usada para as mesmas:

1.      Creio em Deus Pai Todo-poderoso, o Criador dos céus e da terra (Gênesis 17.1 e I Pedro 1.2). Afirmação de que tudo o que existe foi criado por Deus. Uma base para a doutrina criacionista. 2. E em Jesus Cristo, o seu único Filho, o nosso Senhor (João 3.16 e II João 1.3); Jesus Cristo é o Filho de Deus, unigênito, pois não existe outro igual. 3. que foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da virgem Maria (Mateus 1.20); Declaração de que o nascimento virginal de Jesus foi conforme a profecia (Isaías 7.14). Este argumento foi incluído no Credo como resposta a heresias que diziam que Jesus não nasceu de forma milagrosa através de uma virgem, mas que seria um filho normal de José e Maria. O fato de reconhecer a virgindade de Maria até o nascimento de Cristo não significa idolatrá-la como santa nem mesmo negar que teve filhos após o nascimento de Jesus (Mateus 1.25 e Marcos 6.3). 4. padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado (Lucas 3.1 e 23.1-25);  Este dado foi incluído para marcar a data, ou período, visto que não existiam calendários. Era costume associar tempos ou épocas aos governantes em exercício. 5. e ao terceiro dia ressuscitou dentre os mortos (Marcos 9.31); Também para confirmar a doutrina da ressurreição de Cristo que também sofreu vários ataques de grupos Gnósticos que deturpava o surgimento de Cristo ressurreto em corpo dizendo que teria aparecido apenas em espírito 6. subiu ao céu e está assentado a direita de Deus Pai Todo-poderoso (Atos 1.10 e Hebreus 1.3); O poder de Cristo ressurreto sobre todas as coisas assumindo sua Divindade. 7. de onde virá para julgar os vivos e os mortos (Mateus 25.31-46 e II Timóteo 4.1). Jesus como supremo juiz de todos os seres humanos em todos os tempos. 8. Creio no Espírito Santo (João 14.26); A fé na pessoa do Espírito Santo como sustentador da igreja e de todos os cristãos. 9. na santa Igreja de Cristo católica, na comunhão dos santos (I Coríntios 10.16 e 12.27); A Igreja como Corpo de Cristo, representando a presença Divina na terra como agentes do Reino de Deus. 10. no perdão dos pecados (I João 1.7-9); O perdão de Deus para todos os pecadores. 11. na ressurreição do corpo (Filipenses 3.10,11); A crença na ressurreição é reafirmada combatendo heresias gnósticas de que não é necessário reviver o corpo5. 12. e na vida eterna. Amém. (João 6.46). A vida além da morte, ou a eternidade para todo o sempre para aqueles que serão salvos.[9]

III – A FÉ É COMUNITÁRIA

            Outro aspecto importante sobre a declaração credal “Eu Creio” – é o aspecto comunitário da fé confessada. O credo dos apóstolos individualiza a fé quando usa esta construção, porém, como um texto litúrgico aponta para a fé da comunidade, isto tanto é verdadeiro que os credos posteriores conjugam sua nota inicial na primeira pessoa do plural declarando: “Cremos”.

            Por que o Credo dos Apóstolos deve ser encarado como a expressão de fé da comunidade? Bullinger responde que aqui encontramos “um breve sumário da verdadeira fé”[10] Devemos lembra que “os crentes fiéis, todos os domingos em todo o mundo, recitam uma ou outra forma dos conhecidos credos cristãos, mas essa rotina nem sempre os inspira a refletir sobre o contexto de sua fé proclamada publicamente”.[11]

A escritura sempre apresenta o povo de Deus reunidos para confessar e declarar sua fé de forma pública. No Antigo Testamento é encontro o chamado “Shemá” conforme lemos em Dt. 6.4-9. O verbo ouvir que está no imperativo no hebraico é “[m;Þv.”- shemá –e tem o sentido de prestar atenção, significa ouvir, mas não é um mero escutar “envolve a ideia de ouvir com atenção”.[12]

O texto citado acima era o primeiro a ser lido de um conjunto de leituras confessionais que carregavam a mesma tônica. O texto de Deuteronômio tinha por objetivo apresentar as seguintes verdades:

a) Que existe apenas um Deus

b) Que este Deus merece ser amado com todo o ser

c) Que estas verdades deveriam perpetuar nas gerações posteriores.

Há também outros dois textos que nos mostram que havia um credo na Igreja veterotestamentária no ato de culto. São eles: Dt.11.13-21 e Nm 15.37-41. Este “Shemá” era o credo do povo, somos informados que o “shemá era repetido três vezes ao dia”[13] pelo povo do pacto; também somos cientes de que este credo judeu era usado liturgicamente na sinagoga.[14]

No Novo Testamento o conceito de confessionalidade é mais presente e bem definido. Isto significa que a Igreja sempre elaborou o seu conjunto de doutrinas a partir da revelação de Deus. No texto neotestamentário lidamos com um grande material que trata da existência de um grupo de verdades a serem cridas e obedecidas.

Estas verdades são conhecidas como “Tradições” que no grego é “paradosis”, este vocábulo significa “transmitir”, “entregar”, “tradição”. A palavra é formada de uma proposição grega “Para” que indica “junto a”, “ao lado de” mais o verbo “didomi” que de acordo com o contexto tem uma gama de significados “dar”, “trazer”, “conceder”, “causar”, “colocar”. Este conceito é percebido pelo texto bíblico de 2 Ts. 2.15: “Assim, pois, irmãos, permanecei firmes e guardai as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa.”

Em suma podemos dizer que no “Credo a Igreja curva-se perante a Deus [...]”[15] isto implica em observar que “se o Credo é o resumo da Sagrada Escritura, quando nós confessamos o Credo, nós nos prostamos diante de Deus, nós nos ajoelhamos diante daquilo que é essencial e é matéria de revelação”[16] e a comunidade em resposta recebe e aceita tal revelação.

 

 

 

 



* O autor é Ministro da Palavra e dos Sacramentos na Igreja Presbiteriana do Brasil. Atualmente é pastor na Igreja Presbiteriana de Riachão do Jacuípe – BA. Foi professor de Línguas Bíblicas (Hebraico e Grego) no Seminário Presbiteriano Fundamentalista do Brasil – SPFB (Recife), também foi professor de Hermenêutica, filosofia e Exegese de Atos no Seminário Presbiteriano Fundamentalista do Brasil (Patos – PB), também foi professor de Filosofia e Ética na Faculdade Regional de Riachão do Jacuípe – BA.; Atualmente é professor de Antigo Testamento no Instituto Teológico Reformado do Brasil (ITRB – Petrolina) e professor de Hermenêutica no Seminário Presbiteriano Fundamentalista do Brasil – SPFB (Rondônia). É também professor de Exegese do Antigo Testamento no Instituto Teológico Reformado do Brasil-Angola (ITRBA).

[1] Apud, ALLEN, Michael; SWAIN, Scott R. Catolicidade Reformada – A Promessa de recuperação para a teologia e a interpretação bíblica. Brasília: Monergismo, 2021, p.15-16.

[2] FERREIRA, Franklin. O Credo dos Apóstolos – As Doutrinas Centrais da Fé Cristã. São José dos Campos – SP: Editora Fiel, 2015, p.33.

[3] BARTH, Karl. Credo – Comentário ao Credo Apostólico. São Paulo: Editora Fonte Editorial, 2010, p.18.

[4] FERREIRA, Franklin. O Credo dos Apóstolos – As Doutrinas Centrais da Fé Cristã. São José dos Campos – SP: Editora Fiel, 2015, p.38.

[5] BEEKE, Joel R. A Busca da Plena Segurança – O Legado de Calvino e seus Sucessores. Recife: Os puritanos, 2003, p.41.

[6] PACKER, James I. Affirming the Apostle’s Creed. Wheaton, Illinois: Crossaway Books, 2008,p.27

[7] CASANOVA, Humberto; STAM, Jeff. El Credo Apostólico – Manual del Maestro. Grand Rapis: Libros Desfío,1998,p.14

[8] FERREIRA, Franklin. O Credo dos Apóstolos – As Doutrinas Centrais da Fé Cristã. São José dos Campos – SP: Editora Fiel, 2015, p.41

[10] BULLINGER, Hery. The Decades of Henry Bullinger – Volume One. Grand Rapis: Reformation Heritage Books, 2004, p.122.

[11] ASHWIN-SIEJKOWSKI, Piotr. The Apostles’ Creed And Its Early Christian Context. New York, NY: T&T Clark, 2009, p.3

[12] AUSTEL, Hermann J. Shãma’ In: HARRIS, R.L. ed. Theological Wordbook of the Old Testament, 2a ed., Chicago: Moody Press, 1981, Vol. 2, pp.938-939. 

[13] UNTERMAN, Alan. Dicionário Judaico de Lendas e Tradições. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992, p.242. 

[14] COSTA, Herminsten Maia Pereira da. Teologia do Culto. São Paulo: Editora PES, 1985, p.19 

[15] BARTH, Karl. Credo – Comentário ao Credo Apostólico. São Paulo: Editora Fonte Editorial, 2010, p.21

[16] FERREIRA, Franklin. O Credo dos Apóstolos – As Doutrinas Centrais da Fé Cristã. São José dos Campos – SP: Editora Fiel, 2015, p.41-42