segunda-feira, 16 de maio de 2016

A EFICÁCIA DO BATISMO.

A EFICÁCIA DO BATISMO.
Rev. João Ricardo Ferreira de França.
            Compete-nos tratar também deste tema que se relaciona com o Batismo Cristão que é o assunto da eficácia deste sacramento. Isto é importante porque na tradição romanista o sacramento do Batismo possui conotações regeneradoras, ou seja, para o catolicismo romano o batismo opera a salvação.
            Outra preocupação que nos faz ocupar deste assunto é fato de que na tradição evangélica-protestante há uma tendência ao rebatismo como padrão doutrinário ou mesmo como uma distinção entre os que seguem a doutrina ortodoxa e os que são heterodoxos ou até mesmo os que são tidos como heréticos.
1 – A Eficácia dos Sacramentos e a Confissão de Fé de Westminster:
            Qual é a validade dos sacramentos na vida cristã? Qualquer pessoa que ministrar os sacramentos deve ser aceito como válido? Geralmente a resposta que nós oferecemos a estas duas questões é que a validade do batismo e a sua eficácia depende de quem realizou o sacramento; entretanto a Confissão de Fé de Westmister apresenta uma resposta interessante:
III. A graça significada nos sacramentos ou por meio deles, quando devidamente usados, não é conferida por qualquer, poder neles existentes; nem a eficácia deles depende da piedade ou intenção de quem os administra, mas da obra do Espírito e da palavra da instituição, a qual, juntamente com o preceito que autoriza o uso deles, contém uma promessa de benefício aos que dignamente o recebem.[1]
            A declaração da Confissão de fé neste particular assegura que a validade dos sacramentos não é dependente da piedade (santidade) ou da intenção (pressuposto teológico) daquele que o administra. Isto se aplica aos dois sacramentos ordenados e estabelecidos pelo Senhor.
2 – A Validade e Eficácia do Batismo:
            A doutrina da comunhão dos santos é expressa no credo apostólico “Creio na Comunhão dos Santos” – geralmente se entende aqui uma comunhão mística e também a santa ceia como sendo a forma visível desta comunhão, pois, ela expressa a unidade da Igreja.
            Mas, quando estudamos a Carta de Paulo aos Efésios encontramos Paulo dizendo: “Há uma só fé, um só batismo” (Efésios 4.8). Será que a doutrina do sacramento do Batismo expressa exatamente a unidade? A unidade da fé expressa pelo Batismo tem deixado de ser analisado; e tem-se colocado para a Igreja uma postura de sermos negligente a este particular.
            Quando lemos esta expressão Paulina nos vem a mente a prática do rebatismo dentro da tradição evangélica-protestante. Está correto a prática do rebatismo? Quando presbiterianos, congregacionais, luteranos, anglicanos e reformados são recebidos em outras comunidades evangélicas são automaticamente constrangidos a rebatizar-se. Será que isso é válido?
            A Confissão de fé de Westminster quando toca nesta temática nos traz a lume uma resposta importante: “VII. O sacramento do batismo deve ser administrado uma só vez a uma mesma pessoa[2]
            A Confissão de Fé assegura-nos que o sacramento do Batismo deve ser administrado uma só vez sobre a mesma pessoa. Esta posição adotada é uma forma de combater os anabatistas que não aceitavam o pedobatismo[3]; bem como aqueles que julgavam o modo de batizar por aspersão errado e procuravam rebatizar por imersão. A Confissão de fé usa o texto de Tito 3.5 como fundamento para a sua posição.
            Mas, a grande questão é: Quanto aos que são oriundos do Catolicismo Romano, eles devem ser rebatizados? O tema em si mesmo é melindroso, polêmico e incômodo, pois, o presbiterianismo brasileiro é um dos poucos no mundo a rebatizar católicos quando estes se convertem ao protestantismo.
3 – Os Reformadores e a Validade do Batismo na tradição cristã:
            Devemos considerar a posição dos principais reformadores quanto a questão da validade do Batismo, como eles de fato encaravam o sacramento para entendermos a problemática a respeito deste polêmico assunto.
            Qual era a concepção dos primeiros reformadores a respeito da validade eficácia do Batismo como sacramento estabelecido por Cristo Jesus na Igreja? A sabedoria da igreja (ou ignorância como alguns poderão alegar) deve ser sempre ouvida quanto a este assunto, a catolicidade da Igreja reclama ser ouvida neste particular, inclusive na tradição Reformada.
3.1 – Martinho Lutero:
            Há muitos que asseguram que a validade do batismo está vinculado a quem administra: por exemplo, se for o batismo efetivado pelo pastor (evangélico ou protestante) este batismo deve ser aceito como válido, mas se for realizado por um sacerdote católico romano deve ser rejeitado.
Curioso é que este pensamento nunca esteve presente na mente dos primeiros reformadores, incluindo Matinho Lutero que afirma que o ser humano batiza e não batiza, então ele explica: “batiza, porque efetua a obra ao submergir o batizando. Não batiza, já que nesta obra não age por sua própria autoridade, mas representa Deus[...]” e ainda informa que “o batismo que recebemos por mãos de um ser humano, não é do ser humano, mas de Cristo e de Deus”.[4]
            A validade e eficácia do sacramento batismal não se vincula a intenção ou a pessoa quem o administra. Uma vez que este sacramento é outorgado por Deus à igreja por meio de um mandato divino, e o que o torna válido é invocação do Deus trino para isso, então, não demérito no sacramente por causa de quem o administra.
3.2 – Ulrich Zwínglio:
            Um dos reformadores pouco conhecido no Brasil chama-se Zwínglio ou Zuínglio foi reformador na cidade de Zurique na Suiça, ele sustentara que o batismo e a santa ceia não eram meios de graça, para ele estes sacramentos nada carregavam de redentivo.[5]. Para este reformador o sacramento do Batismo era símbolo da unidade, por isso, admite um só batismo.[6]   
3.3 – João Calvino:
            O reformador francês que residiu em Genebra e naquela cidade desenvolveu o ministério da Palavra. Elaborou uma teologia dos sacramentos que se faz presente em todas as confissões de fé reformadas incluindo os Padrões de Westminster (padrões doutrinários na Igreja Presbiteriana).
            Calvino segue a definição agostiniana para os sacramentos “uma forma visível de uma graça invisível”[7]O reformador de Genebra chama o sacramento do Batismo de uma “marca de nosso cristianismo” e do “sinal no qual somos recebidos na Igreja, para que enxertados em Cristo sejamos contados entre os filhos de Deus”.[8]
            Quanto ao tema da validade e eficácia do Batismo Calvino revela que tanto um quanto o outro não depende de quem celebra o sacramento, porque devemos receber o batismo como “se o recebêssemos das mãos do próprio Deus[...] pode-se deduzir daqui de que nem se tira, nem se acrescenta nada ao Sacramento a causa da dignidade de quem o administra [...] quando se envia uma carta não se importe quem seja o portador”.[9]
A tradição cristã Reformada nos deixa o legado de que o batismo tem a sua validade eficácia não por causa da intenção de quem administra. Isto também é assegurado na Confissão de Fé de Westminster quando trata dos sacramentos: “[...]; nem a eficácia deles depende da piedade ou intenção de quem os administra, mas da obra do Espírito e da palavra da instituição, a qual, juntamente com o preceito que autoriza o uso deles, contém uma promessa de benefício aos que dignamente o recebem. Ref. Rom. 2:28-29; I Ped. 3:21; Mat. 3:11; I Cor. 12:13; Luc. 22:19-20; I Cor. 11:26.”
O que nós aprendemos aqui sobre a validade e a eficácia do sacramento do Batismo? Que para “a validade do sacramento é essencial que seja ministrado ‘em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo’”.[10] Ou seja, quando lemos Mateus 28.19 temos alí o designativo de Deus que dá sentido e validade ao Batismo.
3.4 – O Anabatismo e sua Influência na Tradição Presbiteriana Brasileira.
            Já vimos que a Reforma Protestante rejeita de forma peremptória a ideia do rebatismo seja de protestantes ou católicos. Entretanto, como essa prática de rebatizar chegou nas igrejas evangélicas e protestantes?
            Existiu um movimento paralelo à Reforma chamado de Reforma Radical que é conhecido como Anabatismo. Conhecidos na história como Rebatizadores. Eles advogavam que o Batismo Infantil praticado pela Igreja Católica Romana era nulo em seu sentido, e por isso, passaram a rebatizar os que haviam sido batizados na infância, entretanto, as Igrejas oriundas da Reforma praticavam o pedobatismo, e logo, também foram alvos de críticas dos anabatistas que também passaram a rebatizar os protestantes que eram aspersionistas e pedobatistas.
            Tanto os Luteranos quanto os Calvinistas se opuseram ao movimento da Reforma Radical que questionavam a validade não apenas do modo de batismo (aspersão), os sujeitos (no caso os bebês) e a validade do batismo católico romano. No decorrer dos anos as igrejas evangélicas e protestantes, estas últimas, nunca rebatizadoras, agora se veem na obrigação de rebatizar católicos convertidos à tradição protestante ou evangélica.
            De modo particular o presbiterianismo brasileiro possui conotações anabatistas. No ano de 1888 o sínodo da IPB se reuniu sob a presidência do Rev. Blackford onde oficialmente a igreja presbiteriana do Brasil adotara os padrões de Westmisnter e nomeou uma comissão para tratar da validade ou nulidade do batismo católico romano. E essa comissão ao que tudo indica era favorável a validade do batismo romano. Isto ficar evidente na ata daquele concílio. Entretanto, o sínodo não aceitou o relatório da comissão. Havendo uma contestação por meio de um protesto da própria comissão que ficou lavrada na ata do sínodo, que declara:
Nós, abaixo assinados, protestamos contra a decisão do Sínodo, declarando inválido o batismo romano, visto o acharmos inconveniente: (1) Porque grande maioria dos teólogos da Igreja Protestante, incluindo Lutero, Calvino, Cumingham, os Hodges (Charles e Alexander) pai e filho, Patton, Schaff, Briggs e outros homens ilustres o têm como válido; (2) Porque é fato histórico que um só ramo da Igreja Presbiteriana do Sul dos Estados Unidos da América se declara contra a validade desse batismo e o Sínodo por este ato se opõe à posição das Igrejas chamadas Reformadas; (3) Porque as igrejas metodistas e Episcopal reconhecem ambas esse Batismo, e deve toda harmonia possível em questões dessa ordem; (4) Porque nessa questão deve haver a maior caridade possível.[11]
A prática de rebatizar pessoas que vieram do Catolicismo Romano prevaleceu na identidade protestante presbiteriana brasileira. A alma católica dos evangélicos brasileiro desconhece o fato de “que os evangélicos no Brasil estão entre os mais anti-católicos do mundo. Só para ilustrar (e sem entrar no mérito dessa polêmica) o Brasil é um dos poucos países onde convertidos do catolicismo são rebatizados nas igrejas evangélicas. ”[12]
No século XX esta prática “anabatista” na Igreja Presbiteriana do Brasil voltou a ser questionada pelo Rev. Salomão Ferraz no ano de 1915 publica seu livro Princípios e Métodos. Ferraz declara: “A inovação, a esquisitice, não é o fato de aceitar-se a validez do batismo da igreja romana, mas é exatamente o oposto. A praxe do rebatismo é que vem de encontro ao consenso da igreja universal, não só na atualidade, como desde as eras mais remotas, como teremos ocasião de demonstrar”[13]
Neste mesmo livro Ferraz falando da nutrição espiritual que bons livros de tradição católica nos oferecem como a imitação de Cristo. Assegura-nos que tanto protestantes como católicos são beneficiados pelas linhas deste livro. E que é uma loucura relegar a Igreja Romana como não cristã:
E era esse mesmo livro [a Imitação de Cristo] o predileto dos Whitefields e dos Wesleys, como ainda o é de milhares de cristãos evangélicos em nossos dias. E entretanto, só nós os protestantes é que possuímos toda a verdade, toda a santidade, toda a piedade, toda a doçura, toda a pureza e abnegação, toda a consagração e caridade; só nós é que temos direito ao nome de cristãos, e os católicos romanos, mesmo os mais piedosos e sinceros, esses, coitados! De cristãos só tem o nome, o rótulo, e mais nada! É o cúmulo da paixão partidária, é o extremo da cegueira de um sectarismo estreito e pernicioso![14]
Salomão Ferraz sumariza as razões pelas quais deve-se ir contra o rebatismo de católicos convertidos na fé cristã protestante:
Resumindo as nossas considerações, nós tiramos a conclusão de que a prática de rebatizar os romanistas, que se unem às igrejas evangélicas, é inteiramente descabida e insustentável, e isto pelos seguintes modos: a) É anti-católica e atentatória contra a catolicidade da igreja de Jesus Cristo, como é reconhecida em nossas doutrinas evangélicas. b) Vem de encontro à letra e ao espírito das Escrituras e dos nossos símbolos presbiterianos e ao uso de toda a igreja. Diz o Dr. Charles Hodge: ‘Nós não temos autoridade escriturística nem exemplo para a repetição do rito do batismo; e tal repetição é proibida pela nossa Confissão de Fé e contrária ao uso de toda a igreja cristã.’ (Church Polity 214)[15].
                No entendimento protestante a validade do batismo romano não se deve por causa da intenção e nem por causa de quem o administra; quando se nega a validade deste sacramento está se traindo toda a tradição da igreja cristã durante muitos séculos. Os teólogos reformados do século XVII afirmaram peremptoriamente que há validade sim no rito do batismo praticado no romanismo, Francis Turrentin declara:
A verdade acerca da doutrina do batismo pode ser considerada seja em sua essência, ou a seus efeitos, ou os ritos e as cerimônias usadas nele. No sentido anterior, reconhecemos que pela providência singular de Deus a doutrina verdadeira acerca do batismo permanece na Igreja de Roma porque nela se retém a essência do verdadeiro batismo, a saber, a água e a fórmula prescrita por Cristo, segundo a qual é administrado em nome da Trindade. Por essa razão, o batismo realizado nesta igreja é considerado válido e não pode ser repetido.[16]
                Então, quando analisamos a questão do rebatismo na tradição presbiteriana brasileira percebemos que a igreja no Brasil ignora completamente a catolicidade da igreja (o que a igreja sempre praticou ao longo dos séculos) e a sua própria tradição Reformada.
            Na igreja da américa o presbiterianismo norte-armericano no ano de 1835 na Assembleia Geral da Igreja Presbiteriana havia declarado que a Igreja Católica Romana não “era uma igreja cristã”, e disso decorre o fato da nulidade de seu batismo. Grandes eruditos apoiaram essa decisão, entre os quais encontramos: Nec Grill e o eminente professor James H. Thornwell e os contrários a posição da Assembleia Geral encontramos Dr. Lorde e o sr. Atken. A Igreja Presbiteriana da América naquela ocasião, pela grande maioria declarou “nulo o batismo realizado pela Igreja Católica Romana. ”[17]
            Entretanto, em 1845 o eminente teólogo de Princeton o dr. Charles Hodge levanta objeções significativas a decisão da Igreja Presbiteriana quanto a este particular, e as palavras dele poderá ser muito bem dirigida à Igreja Presbiteriana em nossa nação:
Estariam os homens dispostos a perguntar que nova luz foi descoberta? Que austera necessidade induziu a Assembleia a declarar que viveram e morreram não batizados Calvino, Lutero e todos daquela geração, bem como milhares que tendo somente o batismo romano foram recebidos nas igrejas protestantes?[18]
            Trinta anos depois, essa resolução foi abolida. Entretanto, a resolução deixou a encargo dos conselhos locais a decisão de receber ou não por rebatismo os oriundos da Igreja Católica Romana, alguém declarou que tal resolução foi uma declaração de incapacidade teológica significativa.[19] No Brasil não se pode acusar a igreja aqui deste tipo de postura, mas pode-se dizer que nem tal incapacidade é cogitada, pelo contrário a postura anabatista é preferível porque parece ser mais cômodo.




[1] Confissão de Fé Capítulo XVII seção IIII.
[2] Confissão de Fé Capítulo XVIII seção 7
[3] Pedobatismo = ao batismo dos filhos dos crentes recém-nascidos.
[4] LUTERO, Matinho.  Do Cativeiro Babilônico da Igreja In: Obras Selecionadas, Volume II, p. 379.
[5] TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão, 1998, p.237.
[6] Apud, KLEIN, Carlos Jeremias. Batismo e Rebatismo  nas mais Diversas Tradições Cristãs. São Paulo: fonte Editorial, 2010, p.43-44.
[7] CALVINO, Juan. Institución de la Religón Cristiana. Barcelona: Felire, 1999, p. 1007-1008
[8] Ibid, p. 1028.
[9] Ibid, p. 1037.                                   
[10] HODGE, A.A. Esboços de Teológia. Tradução: F.J.C.S - Lisboa. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas (PES), 2001, p.846
[11] Apud, KLEIN, Carlos Jeremias. Batismo e Rebatismo  nas mais Diversas Tradições Cristãs. São Paulo: fonte Editorial, 2010, p.94
[12] LOPES, Augustus Nicodemos. A Alma Católica dos Evangélicos no Brasil. In: http://tempora-mores.blogspot.com.br/2006/11/alma-catlica-dos-evanglicos-no-brasil.html acessado em: 03/05/2016.
[13] FERRAZ, Salomão. Princípios e Métodos. http://icai-ts.org.br/ 1915,p.29
[14] Ibid, p. 18.
[15] Ibid, p.34.
[16] TURRETIN, Francis.  Los institutos de la Teologia Refutativa, Volume 3, 1685, p.405. – Ênfase nossa.
[17] KLEIN, Carlos Jeremias. Batismo e Rebatismo nas mais Diversas Tradições Cristãs. São Paulo: fonte Editorial, 2010, p.88.
[18] Apud, KLEIN, Carlos Jeremias. Batismo e Rebatismo nas mais Diversas Tradições Cristãs. São Paulo: fonte Editorial, 2010, p.89.
[19] LEORNAD, Émile-G. O Protestantismo Brasileiro. São Paulo: ASTE, 1981, p.107-108.