terça-feira, 19 de julho de 2016

Quem deve pregar a Palavra de Deus?

QUEM DEVE PREGAR A PALAVRA DE DEUS?
Rev. João Ricardo Ferreira de França.
           
            Em nossos dias existe uma expansão demasiada do conceito de que qualquer pessoa da Igreja pode realizar e ministrar uma pregação à Igreja de Cristo. Os leigos são despertados para pregarem. Mas, diante disso, surge-nos um questionamento: Quem deve pregar a Palavra de Deus? Claro, estamos nos referindo a uso da tribuna eclesiástica – do Púlpito.
            Quem deve subir no púlpito e pregar a Palavra de Deus à Igreja? Muitos têm dito: os seminaristas, diáconos, leitores de teologia, membros da igreja também. Mas, será?

            1.1 - Confissão Helvética (1536):
“[...] que os mistérios das Escrituras sejam diariamente expostos e explicados por ministros qualificados [...]”
“Dita Igreja não reconhece outro ministro exceto aquele que Prega e administra os sacramentos
            1.1.3 - A Confissão de Genebra (1536 – escrita por João Calvino):
Nós não reconhecemos a outros pastores na Igreja senão aos pastores fiéis da Palavra de Deus, que alimentam as ovelhas de Cristo [...]” “Nós cremos que os Ministros da Palavra de Deus e os Presbíteros e Diáconos, devem ser eleitos aos seus respectivos ofícios mediante uma eleição legal da Igreja [...]”          
            1.1.4 - Confissão de Fé Francesa (1559):
“[...] nós cremos que a ordem da Igreja, estabelecida por sua autoridade, deve ser sagrada e inviolável, e que, portanto, a Igreja não pode existir sem pastores para a instrução, a quem devemos respeitar e escutar reverentemente, quando eles tem sido chamados de maneira apropriada e exercem seu ofício fielmente”.
            Todas as confissões aqui de forma incontestável estabelecem que o pastor é o único ministro da Palavra que possui a prerrogativa de proclamação como de ministração dos sacramentos [ Batismo e Eucaristia].
           
PERGUNTA 158: Por quem deve ser pregada a Palavra de Deus?
RESPOSTA: A Palavra de Deus deve ser pregada somente pelos que foram suficientemente dotados e devidamente aprovados e chamados para tal ofício.
            O nosso catecismo reconhece que apenas os Ministros da Palavra devem pregar. O ponto fundamental aqui é que muitas de nossas igrejas fazem escalas da pregação para que os presbíteros regentes preguem, um diácono, um seminarista e assim por diante, mas os padrões de Westminster, de modo particular, o catecismo Maior reconhece que a Palavra de Deus deve ser pregadaSOMENTE  PELOS QUE FORAM suficientemente dotados e devidamente aprovados e chamados para tal ofício.
            Isso tem gerado muito debate nos círculos evangélicos da atualidade – a publicações de livros que incentivam a pregação leiga tem abarrotado as livrarias de modo geral. Mas, precisamos dizer que a pregação leiga não é bíblica, não tem apoio da tradição reformada, e não é autorizada pelos padrões confessionais.
            David Martyn Lloyd-Jones nos lembra algo interessante sobre este assunto:
[...] Quem deve realizar a Pregação? O primeiro princípio que gostaria de afirmar é que nem todos os crentes são destinados  a fazer isso, nem todos os homens crentes devem pregar, e de maneira alguma as mulheres! Noutras palavras, precisamos considerar o que se chama ‘pregação leiga’. Isto já vem sendo praticado de modo bastante comum há cem anos ou mais. Antes, era uma prática comparativamente rara, mas hoje é muito comum. Seria interessante examinamos a história dessa prática, mas o tempo impede de fazê-lo. Novamente, o mais interessante a ser observado é que esta mudança resultou de causas teológicas. Foi a mudança na teologia do século passado, de uma atitude reformada e calvinista para uma postura essencialmente arminiana, que provocou o aumento da pregação de leigos. A explicação dessa causa e efeito é que, em última análise, o arminianismo é não-teológico. Eis porque a maioria das denominações evangélicas  da atualidade são igualmente não-teológicas. Sendo esse o caso, não deve nos surpreender o fato de que predominem em nossos dias o ponto de vista de que a pregação está aberta a todo homem e posteriormente, a qualquer mulher. Minha asserção é que esta é uma perspectiva antibíblica sobre a pregação.[1] 
            A pregação leiga – homem da igreja, presbítero regente, diácono, seminarista – é fruto da perspectiva arminiana que deseja dar aos ‘novos convertidos o que fazer na igreja’, e assim, ignorando completamente a noção de vocação para o ministério da Palavra.
            O dr. Vos comentando a pergunta 158 do Catecismo Maior de Westminster lembra-nos que:
Quem não for ministro ordenado ou licenciado pode testemunhar de Cristo em particular ou em público, conforme a oportunidade o permita, mas a pregação pública oficial da Palavra na Igreja deve ser feita apenas por aqueles devidamente separados para esta obra. Claro está que a pregação da Palavra é uma obra de importância muito grande. São necessárias as qualificações apropriadas para que seja feita de maneira adequada. Há qualificações espirituais, intelectuais e educacionais sobre as quais se deve insistir para que a igreja tenha um ministério adequado. [2]

            Esta posição confessional da Igreja é a posição histórica do presbiterianismo, o Dr. Roger Smalling responde a questão do catecismo Maior de Westminster sob os seguintes termos:
Aparece uma ligeira ambigüidade nesta declaração. Tradicionalmente, se tem entendido que o Catecismo Maior de Westminster delega aos Presbíteros Docentes ordenados, ainda que, o termo Pastor ou Ministro não se use aqui. Mas, depois disto tudo, que aconteceria se um Presbítero Regente pudesse pregar melhor que um Presbítero Docente qualquer? A Assembleia da PCA[3] de 1979 responde:
Recomendação Nº 4:
A Assembleia Geral reafirma a posição Presbiteriana histórica conforme expressa no Catecismo Maior em sua pergunta 158, que ninguém deve pregar o Evangelho senão aqueles que são chamados e dotados por Deus; e que, por conseguinte, somente aqueles homens que são apropriadamente ordenados ou licenciados podem pregar nos púlpitos da PCA; e que aos Presbíteros Regentes se lhes permite e anima a renovar a prática histórica de exortar ao povo de Deus. (Adotado, p.457-458).
            Esta recomendação uni-se com a recomendação de Número 5 que trata da relação do Pastor com o Conselho. Disto nós vemos que a PCA considera o púlpito como o domínio habitual do Presbítero Docente, não obstante, o Presbítero Regente pode exercer qualquer dos dons ministeriais de exortação que possua em outros domínios e circunstâncias.
            Na PCA, não se aceita a prática de programar dentro das agendas de pregação regulares da igreja, aqueles que não são ordenados como Presbíteros Docentes.[4]
            Será que existe alguma evidência Bíblica para a posição de que apenas os presbíteros docentes [ministros, pastores, bispos] proclamem a palavra de Deus no culto público?
            O ponto é que a pregação neotestamentária é marcada pelo ensino. O verbo grego didaskw –didaskô – [ensino]  é usado noventa e sete vezes no Novo Testamento. No uso deste verbo pode-se classificar o seguinte: Quando se refere à fé cristã: este verbo “didaskw” tem como sujeito o Senhor Jesus, sendo usado 48 vezes (Marcos.8.31 e 9.31); os apóstolos (dezoito vezes), o Espírito Santo (Lucas 12.12; João 14.26; 1 João 2.27); Timóteo (1 Timóteo 4.11 e 6.2); João Batista (Lucas 11.1); o cego que havia sido curado por Jesus , o qual foi acusado pelos fariseus  de estar querendo ensiná-los (João 9.34); Apolo que ensinava de modo preciso na sinagoga (Atos 18.25)[5]
            Todas as referências nas quais este verbo aparece parece indicar ofício específico do ministro da palavra.
            Agora um vocábulo que aparece na Palavra de Deus que parece ser imperativo nesta questão é o termo Arauto. No grego temos a palavra “khrux”- keryx – aponta para aquele que leva uma mensagem autorizada – um porta-voz oficial. Qual é o sentido do emprego desta palavra, era usada para descrever “o homem que é comissionado pelo seu soberano, ou pelo estado, para anunciar em voz alta alguma notícia, a fim de torná-la conhecida”.[6]  
            O uso do verbo relacionado a esta função de arauto “kerussw”- keryssô – e na leitura que fazemos do Novo Testamento nós percebemos o seguinte que o uso deste verbo se aplica:
a) Apenas a Cristo ou a alguém comissionado por Deus para o ministério da pregação ( Romanos10.15; pois, somente estes têm a autoridade divina de se apresentar publicamente para falar em nome de Deus.
b) Nos Evangelhos apenas João Batista é assim apresentado como proclamador enviado da parte de Deus(Mt 3.1: Mc. 1.4; Lc.3.3) – sendo ele um profeta do antigo pacto.
c) Jesus é apresentado como o proclamador supremo (Mt.4.17,23;9.35;11.1; Mc1.14,38,39; Lucas 4.18,19,44.8.1)
d) Os apóstolos comissionados por Jesus  (Mt.10.7,27; Mc 3.14; 6.12; 16.15,20; Lc.9.2; 12.13.).
            Todos estes textos apresentam que os sujeitos do verbo “kerussw”- keryssô eram comissionados pelo Senhor. Paulo Anglada nos lembra:
Sempre que outras pessoas aparecem como sujeitos do verbo “kerussw”- keryssô nos evangelhos, estão desobedecendo a Cristo e, nesses casos, o conteúdo da pregação  deles é uma cura. Há três exemplos dessas pregações desautorizadas nos evangelhos. Um deles é em Marcos 1.45, quando o leproso é expressamente proibido por Jesus, saiu propalando que havia sido curado, de sorte que Jesus acabou impedido de entrar livremente na cidade. Outra ocorrência é encontrada em Marcos5.20 e Lucas 8.39, onde se ler que o endemoninhado geresareno, libertado por Jesus, ao invés de apenas relatar o acontecido (;agge,llw [angello], em Marcos e dihge,omai[diegeomai] em Lucas) aos seus familiares (a sua casa), como Jesus havia ordenado, saiu a proclamar (“kerussw”- keryssô) como arauto o acontecimento na cidade em que vivia. O último exemplo, em Marcos 7.3, refere-se às pessoas que haviam presenciado a cura de um surdo mudo, também contrariando a ordem expressa de Jesus de não contarem (le,gousin - legousin) a ninguém o ocorrido.[7]
           
            Então está claro que apenas os que são chamados para a pregação – proclamação – são os ministros [presbíteros docentes] e que ninguém mais pode se intrometer neste ofício e ministério, se não for vocacionado.
          3 –  OS LEITORES DE SERMÕES.
            Diante disso alguns poderão dizer: Então o que fazer em uma igreja em que o Pastor precise se ausentar? E o seminarista qual é a função dele? A prática da Igreja sempre foi usar a leitura de sermões. A prática da leitura remonta-se ao apóstolo dos gentios, pois, “encontramos já em São Paulo a exortação a que se leiam as suas cartas quando das assembléias litúrgicas”.[8]
             Era uma prática comum na igreja antiga. Somos informados que na Antiga Igreja Cristã, “o leitor era alguém que lia as lições”[9] Então, se pastor precisar se ausentar da igreja e não possui nenhum ministro auxiliar, é seu dever deixar um sermão para ser lido, estudado com antecedência com algum presbítero regente ou seminarista – pois, eles não foram chamados para o domínio do púlpito da igreja.


[1]  LLOYD-JONES, David Martyn.  Pregação e Pregadores. Tradução: João Bentes Marques. São Paulo: Editora Fiel,  2008, p.97-98
[2] VOS, Johannes Geerhardus. Catecismo Maior Comentado. Tradução: Marcos Vasconcelos. São Paulo: Editora Os Puritanos, 2007, p.508.
[3] PCA = Igreja Presbiteriana da América.
[4] SMALLING, Roger. As Distinções Entre os Presbíteros Docentes e Regentes. Tradução: João Ricardo Ferreira de França. São Raimundo Nonato – Piauí: Centro de Estudos Presbiterianos, 2011, p. 11.
[5] ANGLADA, Paulo. Introdução à Pregação Reformada – Uma investigação Histórica  sobre o Modelo Bíblico-Reformado de pregação. Ananindeua: Knox Publicações, 2005, p.33.
[6] COENEN, Lothar, “khru,ssw”. In: Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, vol.3, Ed. Lothar Coenen e Colin Brown, Tradução de Gordon Chown. São Paulo: Editora Vida Nova, 1993, p.741.
[7] ANGLADA, Paulo. Introdução à Pregação Reformada – Uma investigação Histórica  sobre o Modelo Bíblico-Reformado de pregação. Ananindeua: Knox Publicações, 2005, p.38-39.
[8] ALLMEN, J.J. Von. O culto Cristão – Teologia e Prática. Tradução: Dírson Glênio  Vergara dos Santos. São Paulo: Editora Aste, 2008, p.129.
[9] CHAMPLIN, Russel l Norman. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Tradução: João Bentes Marques. São Paulo: Editora Hagnos, 2011 – Volume 3 – H/L, p.784.