sábado, 15 de setembro de 2018

O PROBLEMA DO ANTIGO TESTAMENTO


IGREJA PRESBITERIANA DE RIACHÃO DO JACUÍPE – BA
O PROBLEMA DO ANTIGO TESTAMENTO
Rev. João Ricardo Ferreira de França.
Introdução:
            Agora nos cabe considerar a razão porque o Antigo Testamento é um problema para a igreja de hoje. Kaiser lembra-nos que em vez da igreja agradecer pela grande benção do Antigo Testamento, vive questionando sobre sua utilidade e rejeitando-o.[1] Qual é a problema do Antigo Testamento? Alguém já declarou: “O problema do Antigo Testamento, portanto, é não apenas um entre muitos. É o problema principal da teologia.[2] Ele assevera que o Antigo Testamento é o fundamental problema para seu estudo.
I - A QUESTÃO DO MITTE[3] NO ANTIGO TESTAMENTO.

Diante de vários problemas no estudo do Antigo Testamento há, entretanto, um que é fundamental – é a questão do mitte. Será que existe um tema que integre toda a revelação veterotestamentária? Há diversas propostas. O problema pode ser colocado da seguinte forma: “existe na fé veterotestamentária um núcleo central, do qual tudo parte e em torno ao qual tudo se move?”[4]
Qual é a grande ideia que governa o Antigo Testamento? Esta pergunta é feita por cada estudioso que se aproxima do Antigo Testamento. Assim, ele precisa buscar o telos (propósito, tema) do Antigo Testamento para entender toda a revelação de Deus.
Para Von Rad o “objeto da teologia veterotestamentária é o conjunto dos testemunhos da ação de Deus na história – tanto de acontecimentos que precederam cronologicamente os testemunhos, como no Hexateuco, como acontecimentos posteriores, como no caso dos profetas."[5]
O problema da abordagem de Von Rad é que ele faz a distinção entre a fé e os eventos históricos; assim, torna-se vazio o conceito de um centro unificador na Teologia Bíblica conforme proposta por ele; Kaiser nos alerta para o seguinte:

Depois de um quarto de século, porém, Gerhard von Rad veio completar quase um círculo completo e adotou a própria posição que merecera originalmente a repressão de Eichrodt. Ao separar a intenção ‘querigmática’, ou propósitos homiléticos, dos vários escritores do A.T dos fatos da história de Israel, Von Rad não somente negou qualquer fundamento genuíno para a confissão da fé que Israel tinha em Javé, como também mudou o objeto do estudo teológico de uma focalização sobre a Palavra de Deus e Sua obra, para os conceitos religiosos do povo de Deus. Para von Rad não havia a necessidade de fundamentar  o querigma da crença em qualquer realidade objetiva, ou qualquer história como evento. A Bíblia não é tanto a fonte da fé dos homens do A.T como uma expressão da sua fé [...] conforme a opinião dele, cada época  histórica tinha uma teologia sem igual a ela, com tensões internas, diversidade e contradições à teologia das demais épocas do A.T. De fato, não havia, para ele, nenhuma síntese na mente dos autores bíblicos ou nos textos, mas apenas a possibilidade de uma ‘tendência para a unificação’. O historicismo voltara! O A.T não possuía qualquer eixo central ou continuidade de um plano divino; pelo contrário, continua uma narrativa de como o povo lia religiosamente a sua própria história, sua tentativa de tornar reais e apresentar eventos e narrativas mais antigos.[6]

A resposta de Kaiser a Von Rad é verdadeira e legítima, pois, se abordarmos o texto dentro desta perspectiva não poderemos ter um centro unificador. E não existe uma Teologia Bíblica, mas várias formas confessionais, a fé não tem elementos históricos dentro deste esquema.

II - PROPOSTAS PARA UM CENTRO UNIFICADOR.

            Muitos estudiosos podem até julgar desnecessária tal abordagem, todavia, Hasel nos diz que “a questão da existência do que pode ser considerado o centro (do alemão Mitte) do Antigo Testamento é de suma importância para o estudo da teologia do Antigo Testamento e para a compreensão deste”[7]
            No entendimento de Hasel só se pode ter uma compreensão adequada do Antigo Testamento na tentativa de buscar nele um centro unificador. Neste momento avaliaremos algumas propostas com relação à grande ideia que o Antigo Testamento apresenta para cada um de nós.

a)      A Santidade de Deus.

A primeira proposta que percebemos é a da Santidade de Deus; esta proposta é adotada por homens como E.Sellin. O argumento dele em favor deste Mitte é o fato de que “isto caracteriza a natureza mais profunda e íntima do Deus do Antigo Testamento”[8].
            Sallin argumenta “que seu estudo se preocupa ‘apenas com a longa e única linha que termina no Evangelho: a palavra do Deus eterno nos escritos do Antigo Testamento”[9].
            O exegeta do Antigo Testamento pode expor o texto Bíblico tendo a noção fundamental que o tema central que norteia a mensagem veterotestamentária é a Santidade de Deus.
            Qual é o problema com esta proposta da Santidade? É que alguns livros do Antigo Testamento parece não ser dominado, em sua mensagem, por este tema: Os Históricos e os Sapienciais são exemplos claros disto. No livro de juízes a santidade de Deus parece não ser o tema que integra a sua mensagem, e muitos textos de provérbios e salmos não indicam esta perspectiva.

b) O Senhorio de Deus.
           
Esta proposta é interessante porque apresenta a realidade de que Deus é Senhor. Este Mitte é defendido como tema central do Antigo Testamento por Ludwing Köhler Para ele a afirmação “Deus é Senhor” é “a espinha dorsal da Teologia do Antigo Testamento” (KÖHLER, 1957, p. 35).
            O exegeta bíblico pode se valer deste conceito e trabalhar a sua exposição tendo este tema como sendo o que de fato unifica o Antigo Testamento. Mas, qual é o problema desta abordagem? É que os livros de juízes e sapienciais não nos apresenta este conceito de forma clara, se um tema não integra todos os livros do Antigo Testamento ele não pode ser eleito como Mitte para a mensagem central do Antigo Testamento.

c) O Governo e a Comunhão com Deus.
           
Esta proposta é de George Föhrer que tenta apresentar isso de forma muito interessante; pois, ele diz que apesar de se tentar por diversas vias a elaboração de um Mitte ele diz que “deveria ser possível falar de um núcleo central da fé e da teologia veterotestamentária.” Ele percebe a dificuldade de se escolher um único tema que integre toda a mensagem do Antigo Testamento e diz que

essa possibilidade poderia ser oferecida por dois tipos de conceitos: soberania de Deus e comunhão entre Deus e o homem [...] da soberania  e da comunhão com Deus, constituem o elemento unificador da multiplicidade, vinculando-se entre si como os dois pontos focais de uma elipse.[10]

            Mas esta abordagem também merece crítica, por isso, um pregador que deseja expor todo o Antigo Testamento não deveria se aferrar a esta temática; pois, esta linha de argumentação deixa de fora dois livros fundamentais: Ester e Cantares de Salomão. Ora, então, tal abordagem da mensagem central não é legítima.

d) A Promessa.
           
Este Mitte tem sido habilmente defendido por Walter C. Kaiser Jr., pois, ele sugere que o tema que integra toda a mensagem do Antigo Testamento tem sido a promessa. Tudo é promessa vinculada ao cumprimento. Para ele o Antigo Testamento é a promessa, e o Novo Testamento é o cumprimento.
            Ele diz que o “verdadeiro problema, declarado com singeleza, é o seguinte: Existe uma chave para um arranjo metódico e progressivo dos assuntos, temas e ensinos do Antigo Testamento?”[11]. Se a resposta for negativa, então, o que temos são diversas teologias do Antigo Testamento e assim a “ideia de uma teologia do Antigo Testamento como tal precisaria ser abandonada de modo permanente” (KAISER, 1984, p.23).
            Ele diz que o Mitte deve ser “textualmente demonstrado” tendo a abordagem canônica como canal de limitação da Teologia Bíblica. Este tema era conhecido no “AT sob uma constelação de termos. A mais antiga de tais expressões era ‘bênção’”[12] Mas Kaiser segue a noção de que o verbo falar no hebraico “significava prometer”, e assim, ele extrai das várias passagens que menciona a fala de Deus em termos de promessa a sua Teologia Bíblica. E diz que a “estas promessas Deus acrescentou Seu ‘compromisso’ ou ‘juramento’ assim tornando duplamente certas a palavra imediata de bênção e a palavra futura da promessa”[13]. Assim, ele oferece a chave que abre a porta para o tema unificador do Antigo Testamento. Ele apela para as fórmulas da promessa, como ele mesmo chama, em textos como Gênesis 15.7 “Eu sou o SENHOR que te tirei de Ur dos caldeus” dizendo que esta expressão é a que domina a promessa.[14] Qual é a vantagem deste método? Ele tende a enfatizar a unidade das Escrituras. No entanto, corre-se o risco de tornar o resultado artificial e subjetivo, uma vez que as diferentes categorias ou temas podem ser impostos pela teologia ao texto em lugar de naturalmente serem percebidos nele. Alguém já disse que:

Até mesmo temas considerados universais como o pacto podem acabar sendo usados de forma indiscriminada, torcendo os dados bíblicos, ou mesmo ignorando-os, para que o resultado se encaixe em um determinado padrão. Ainda que não incorra em todos esses perigos. (SOUZA, Teologia Bíblica: Um Esboço, aulas ministradas no segundo semestre do SPN no ano de 2007)

e) O Pacto.
           
A próxima proposta a ser avaliada é o conceito de aliança. Esta proposta é apresentada por Eichrot. Pois, “apartir deste conceito explicamos a unidade estrutural e a tendência básica permanente da mensagem do Antigo Testamento.”[15] Ele sugere que o conceito não deve ser limitado a noções doutrinárias[16], mas como sendo uma descrição viva do progresso revelacional.[17]
            Isto implica dizer que a “teologia de Eichrodt consiste numa das mais impressionantes tentativas de se compreender o Antigo Testamento como um todo, partindo não apenas de um centro, mas também do conceito unificador de ‘aliança’”[18].
            A postura que adotamos é a questão do pacto, todavia, temos algumas considerações apresentadas por Eichrodt, pois, ele fala como se houvesse várias formulações pactuais.
            Um problema na discussão da aliança é que ela não contempla de fato os livros sapienciais; mas Van Groningen percebendo esta falha no sistema pactual nos apresenta uma alternativa adjacente para o pacto, ele mesmo diz:

Tenho desenvolvido o conceito do "Cordão Dourado". Os três fios desse cordão dourado são o reino, o pacto e o mediador. O reino, estabelecido na criação, é o cenário; a aliança é o meio administrativo; e o mediador é (são) o agente da aliança servindo aos propósitos do reino. (GRONINGEN, 2008, p. 39)

            Diante destas informações o que o ministro da palavra deve fazer? Uma vez que o pregador consegue captar o Telos geral das Escrituras ele será capaz de trabalhar com os “sub-telos” (ADAMS, Jay. Conferência Fiel para Pasoteres e Líderes, 2000).
            O que são os sub-telos? “São os temas menores que se manifestam nos livros da Bíblia e que estão intimamente ligados com o telos maior das Escrituras”. (ADAMS, Jay. Conferência Fiel para Pasoteres e Líderes, 2000).
            Jay Adams nos mostra porque muitos sermões no Antigo Testamento parecem não possuir unidade:
Há poucas deficiências na pregação, tão completamente desastrosas em seus efeitos, quando a falha que ocorre, muito frequêntemente, em se determinar o telos (ou propósito) de uma porção que pode ser pregada. A passagem e, portanto, a própria Palavra de Deus, é deturpada, abusada e mal tratada quando seu propósito não foi determinado, resultando diretamente na perda de seu poder e autoridade[19]

Qual é o tema unificador que o exegeta deve identifica no Antigo Testamento? Uma vez respondida esta pergunta à sua Teologia Bíblica implicará em um trabalho exegético derivado unicamente das Escrituras.
           




[1] KAISER JR, Walter C. Pregando e Ensinando a partir do Antigo Testamento – Um guia para Igreja. Rio de Janeiro: CPAD, 2009, p.37.
[2] KRAELING, Emil G. The Old Testament Since The Reformation. New York: Schocken Rooks, 1969, p. 8 – minha tradução.
[3] Mitteé um termo alemão que significa – tema, centro e tem sido usado entre os teólogos bíblicos para desenvolver um tema que integre todo Antigo Testamento em sua mensagem e desenvolvimento.
[4]FOHRER, Georg. Estruturas Teológicas Fundamentais do Antigo Testamento. São Paulo: Ed. Paulinas, 1982, p. 137.

[5] idem.
[6] KAISER, Walter C. Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1984, p. 4-5 – ênfase nossa
[7] HASEL, Gerard  F. Teologia do Antigo Testamento. Rio de Janeiro: Juerp, 1987, p.57
[8] Apud,HASEL, Gehard F. Teologia do Antigo Testamento, Rio de Janeiro: Juerp, 1987, p.58
[9] Idem
[10] FOHRER, Georg. Estruturas Teológicas Fundamentais do Antigo Testamento. São Paulo: Ed. Paulinas, 1982, p. 141 – ênfase nossa.
[11] KAISER, Walter C. Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1984, p.22.
[12] Ibid, p.35
[13] Idem.
[14] Ibid, 36-37
[15] EICHRODT, Walther. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Ed. Hagnos, 2004, p. 9
[16] Ibid, p.10
[17] Idem
[18] Gehard F. Teologia do Antigo Testamento, Rio de Janeiro: Juerp, 1987, p.57
[19] ADAMS, Jay E. Preaching with Purpose. Grand Rapids: Baker, 1982, p.27

AULA 01 PRESBITERIANSIMO

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

A IMPORTÂNCIA DO ANTIGO TESTAMENTO


A IMPORTÂNCIA DO ANTIGO TESTAMENTO HOJE.
Rev. João França.*

Introdução:
            Nos dias hodiernos temos presenciado uma espécie de rejeição ao Antigo Testamento. Especialmente quando procuramos em nossas listagens de sermões (se por acaso tenhamos alguma) quantos nós pregamos no Antigo Testamento, iremos observar o quanto o negligenciamos!
            Por que há tanta negligência neste particular? Uma das respostas a ser oferecidas trata-se da distância cultural entre o texto do Antigo Testamento e a nossa cultura atual. Richard Pratt jr, declara:
[...]nosso tempo é diferente do mundo do Antigo Testamento. Os avanços tecnológicos criam um distanciamento. Não usamos carruagens e espadas; usamos misseis nucleares  e sistemas de defesa por satélite. Sociologicamente, não somos doze tribos vivendo na Palestina; somos inúmeros congregações por todo o mundo. Até mesmo o caráter sobrenatural de muitos acontecimentos fazem com que pareçam distantes de nós. Os evangélicos creem que os milagres relatados na Bíblia ocorreram de fato. O machado de ferro de Eliseu literalmente boiou na água (2º Reis 6.1-7); fogo do céu realmente caiu  sobre o sacrifício de Salomão no Templo (2º Crônicas 7.1)[1]  
            A importância deste texto Antigo se revela na necessidade que temos de compreender as verdades do Novo Testamento a luz do Antigo; esse pressuposição é básica pra a compreensão da mensagem e relevância do texto veterotestamentário. Walter C. Kaiser Jr nos lembra que é chegado “o momento de uma nova avaliação das nossas razões para evitar esta seção da Bíblia. Juntamente com um argumento favorável a procurar no Antigo Testamento as respostas para as questões contemporâneas...”[2]  É precisamente esta avaliação supramenciona por Kaiser que precisamos encarar, se acreditamos na unidade entre os testamentos, se cremos que a primeira parte das Escrituras se reveste de plena autoridade de igual modo a segunda parte.
A importância de se estudar o Antigo Testamento está no fato de que o mesmo é a fonte de revelação pactual para o povo de Deus. Aquilo que é dito sobre a totalidade das Escrituras se aplica de modo peculiar ao Velho Testamento, nas palavras de van Groaningen:
O registro escrito contém uma variedade de gêneros literários. experiências são registradas de um modo jornalístico. A maior parte do registro consiste de eventos históricos descritos, avaliados, interpretados, vários tipos de material legal, pronunciamentos proféticos, admoestações em forma de sermão, diálogos hinos e orações. Mas incluídas em tudo isto, explícita ou implicitamente, estão as comunicações verbais de Deus. Tais comunicações são  fonte de unidade, harmonia, significado, propósito e valor do registro escrito.[3]
.Então, essa singela consideração já por si mesma suficiente para nos apresentar a suficiência e a importância do Antigo Testamento para os nossos dias. Reconhecer o caráter revelacional do Velho Testamento é fundamental para a prática da exegese saudável. Juan F. Martínez apresenta uma avaliação com perspicácia singular:
Para muitos cristãos o Antigo Testamento (AT) é algo assim como o apêndice do corpo humano. Se suspeita que em algum tempo passado teve certa importância, porém, no dia de hoje a sua utilidade é marginal. A parte de alguns salmos e uma série de histórias e biografias, o AT tende a ser um livro fechado para a margem da vida da igreja.[...] Porém se temos de “desmarginalizar” o AT, é vital entender a importância de sua mensagem para a vida e ensino da igreja. [4]
Walter C. kaiser Jr, nos apresenta algumas razões importantes pelas quais devemos considerar a importância do texto veterotestamentário. Alegando que o próprio texto sagrado sai em sua própria defesa[5], e apresenta de forma bem lacônica tal defesa:
1.      O Antigo Testamento é a Poderosa Palavra de Deus: Kaiser argumenta que a primeira seção da Bíblia está além de ser uma mera palavra de mortais escrita para a humanidade, o livro sagrado possui uma variedade de estilos, revelando a individualidade, dons e talentos dos escritores, mas ressalta que a “preparação dos autores foi uma obra de Deus” e que a mensagem registrada resulta da revelação de Deus. Argumentando que a vocação profética pode-se dá desde o ventre (Jr. 1.4-5) ou pode ser tardia (Is.1-5), a insistência dos autores em afirmar que recebiam uma revelação de Deus e que deveriam ser distinguidas de suas própria palavras, norteiam a maneira como estudar a revelação divina no Antigo testamento (Jr. 23.28,29), Kaiser argumenta que nenhum cristão do Novo Testamento, incluindo o apóstolo Paulo aceitaria uma diminuição do Antigo testamento, e ressalta a importância do mesmo ao escrever sobre sua suficiência em termos tão majestosos (2ª Tim 3.16-17)[6]
2.      O Antigo Testamento nos leva a Jesus, o Messias: Combatendo a ideia dispensacionalista (a ruptura entre o Antigo e Novo Testamento) Kaiser nos diz que tal ruptura traz em seu bojo um dos resultados mais trágicos na história do povo pactual. Pois, sugere que no Antigo Testamento não há nada de messiânico a ser buscado, a ser estudado, na verdade o Novo Testamento fica sem sentido completamente. Walter Kaiser argumenta  que o conceito messiânico está no âmago da mensagem do Antigo Testamento onde há aproximadamente 456 textos veterotestamentários que fazem alusão direta ao Messias. E segue argumento em prol da defesa de que o Velho Testamento aponta para Cristo desde o pentecostes (Atos 2.16-36) e textos relacionados como Joel 2.28-31; e o salmo 16, 110, eles são claramente apresentados no Novo Testamento como messiânicos e aplicados a Cristo, e a conclusão inescapável é que o Antigo Testamento conduz os homens a Cristo, pois, o Antigo Testamento fala de Jesus (Jo. 5.39)[7]
3.      O Antigo Testamento trata das questões da vida: Acredito que boa parte da negação da importância do Antigo Testamento está naquilo que chamamos da “Ditadura da relevância”! O Velho Testamento parece ser um texto muito distante e não tem nada a dizer à nossa cultura atual. Kaiser mais uma vez fala dessa relevância. Revelando que o escopo do Antigo Testamento “sobre grandes questões da vida é extremamente amplo e assombroso no seu aspecto prático”, então, ele ilustra isso de forma interessante; como, as questões ecológicas e da dignidade humana expressa nos primeiros capítulos de Gênesis (1-11); sobre as relações intimas e conjugais expressas em Cantares de Salomão, e “uma teologia da cultura, no livro de Eclesiastes”. As leis morais e o valor da vida humana conforme ensinada no Antigo Testamento mostram a sua relevância para hoje é singular.[8]
4.      O Antigo Testamento foi usado como a Autoridade Exclusiva na Igreja Primitiva: Esta argumentação é magnânima. A ênfase ao termo “Está escrito” e a palavra “Escritura” foi amplamente usado nos dias da Igreja Primitiva. o termo grego “gra,fh” [grafê] e o seu correlato “gra,fai”[grafai] na maioria de suas ocorrências no Novo Testamento se faz alusão ou referência ao Antigo Testamento. O Cristo ressurreto fundamenta todo seus sofrimento e glorificação nas Escrituras do Antigo Testamento ( Lucas 24.25-26).[9]
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
      O Antigo Testamento é importante para a igreja Cristã porque sua mensagem é como um alicerce no qual toda a teologia das Escrituras é construída; sem ele a mensagem redentiva não encontra sentido é justificativa.
      O Antigo Testamento é relevante para nós hoje porque o Apóstolo Paulo assegura esta verdade em Romanos 15.4: “pois, tudo quanto, outrora foi escrito para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança
      O argumento de Paulo é claro, que o Antigo Testamento é suficiente em matéria de doutrina e vida! Todo ensino (conhecimento, compreensão) que a igreja cristã possui é derivado e oriundo do Antigo Testamento. Todo conforto e consolo que a igreja neotestamentária precisa encontra-se no Velho Testamento, nele somos consolados e instruídos, no livro dos Salmos, por exemplo, somos confortados; e, em Provérbios somos instruídos na sabedoria; só para termos alguns exemplos do Antigo Testamento.





* O autor é Ministro da Palavra e dos Sacramentos pela Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB). Fundador do Centro de Estudos Presbiteriano. Atualmente é professor de Línguas Bíblicas (Hebraico e Grego) e de exegese (Antigo e Novo Testamento) no Seminário Presbiteriano Fundamentalista do Brasil – Patos – PB.; Mestrando em Teologia pelo Instituto Bereano de Teologia  (IBETEO) – Brumado –BA. É professor de Filosofia e Ética na Faculdade Regional de Riachão do Jacuípe – BA (FARJ). É casado em tem uma casal de filhos.
[1] PRATT JR, Richard. Ele nos deu História – Um Guia  Completo para Interpretação das Histórias do Antigo Testamento,  São Paulo: 2004, p. 358.
[2] KAISER JR, Walter C. Pregando e Ensinando a Partir do Antigo Testamento – Um Guia para a Igreja. Tradução: Degmar Ribas. Rio de Janeiro: CPAD, 2009, p.21.
[3] GRONINGEN, Gerard van. Revelação Messiânica no Antigo Testamento. Tradutor: Cláudio Wagner. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 54-55.
[4] MARTÍNEZ, Juan F. A Mensagem do Antigo Testamento para a Igreja de Hoje. Tradutor: João Ricardo Ferreira de França. São Raimundo Nonato – PI: Centro de  Estudos Presbiteriano, 2010, p. 5.
[5] KAISER JR, Walter C. Pregando e Ensinando a Partir do Antigo Testamento – Um Guia para a Igreja. Tradução: Degmar Ribas. Rio de Janeiro: CPAD, 2009, p.22
[6] ibid,p.22-27.
[7] Ibid, p.27-30.
[8] Ibid, p. 30-31
[9] Ibid, 31-33.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

O PACTO DE DEUS COM O HOMEM

ESTUDO NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER
Capítulo 7 – Do Pacto de Deus com o Homem
Rev. João Ricardo Ferreira de França.
INTRODUÇÃO:
            A doutrina do pacto é importante para a igreja cristã. Ela ensina que Deus antes de todos os tempos planejou uma forma de salvar o homem que havia caído no pecado, conforme estudamos no capítulo 6 da Confissão de Fé de Westmisnter; e o meio pelo qual Deus provê a redenção e o resgate da comunhão com ele é através da relação pactual.
I –  O QUE É PACTO?
O vocábulo “Pacto”. Sproul nos lembra que o “conceito de pacto é de vital importância para nosso entendimento do Cristianismo bíblico”.[1] Um definição que podemos oferecer, a partir do vocábulo hebraico berith, é que pacto “é uma relação que envolve ‘juramentos e obrigações’ e  compromissos mútuos, embora não necessariamente iguais”.[2] Robertson diz: “Em seu aspecto mais essencial, aliança é aquilo que une pessoas. Nada está mais perto do coração do conceito bíblico de aliança do que a imagem de um laço inviolável.[3]Louis Berkhof oferece a seguinte definição para aliança ou pacto:
A palavra berith pode indicar um acordo mútuo voluntário (diplêurico), mas também uma disposição ou um arranjo imposto por uma parte a outra (monoplêurico). Seu sentido exato não depende da etimologia da palavra, nem do desenvolvimento histórico do conceito, mas, simplesmente das partes interessadas.[4]
Robertson reforça esta definição “Aliança é um pacto de sangue soberanamente administrado.”[5] Entre os puritanos era comum entender a aliança como uma referência a “promessa, estipulações e obrigações mútuas entre duas partes”[6] E Van Deursen nos lembra que o “Pacto de Deus é  a base no qual se fundamenta nossa vida, e a atmosfera em que respiramos”.[7]
II – A NECESSIDADE DE PACTO (Seção I):
I. Tão grande é a distância entre Deus e a criatura, que, embora as criaturas racionais lhe devam  obediência a Ele como seu Criador, nunca poderiam fruir nada Dele como bem-aventurança e recompensa, senão por alguma voluntária condescendência da parte de Deus, a qual Ele se agradou expressar por meio de um pacto

Os teólogos de Westminster compreenderam que existe uma distância moral e relacional. A distância moral se dá devido ao homem tem caído em pecado, mas também há uma distância na relação de Deus com o homem, esta distância se expressa no relacionamento entre Criador e criatura.
1.      A distância entre o Criador e a Criatura:
Nesta seção nós aprendemos que existe essa distância substanciosa a confissão nos oferece o texto de Isaías 40.13-17 como prova para esta distância:
13 Quem guiou o Espírito do SENHOR? Ou, como seu conselheiro, o ensinou? 14 Com quem tomou ele conselho, para que lhe desse compreensão? Quem o instruiu na vereda do juízo, e lhe ensinou sabedoria, e lhe mostrou o caminho de entendimento? 15 Eis que as nações são consideradas por ele como um pingo que cai de um balde e como um grão de pó na balança; as ilhas são como pó fino que se levanta.16 Nem todo o Líbano basta para queimar, nem os seus animais, para um holocausto.17 Todas as nações são perante ele como coisa que não é nada; ele as considera menos do que nada, como um vácuo.

2.      A condescendência do Criador:
A CFW na nos ensina que a despeito desta distância aprove ao Criador (Deus) misericordiosamente condescender até o homem. Deus veio ao homem. Deve-se ressaltar que tal condescendência divina é pré-lapsariana conforme encontra-se em Gênesis 2.16-17: “E o SENHOR Deus lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás.
Deus se pactua com homem com o objetivo de diminuir a distância existência entre o Criador e a criatura. O fato de Deus outorgar a lei moral a Adão equivale a estabelecer, ainda que implicitamente, “uma aliança”, pois, esta lei foi dada no coração do home (Romanos 2.14-15), e no capítulo 2 de Gênesis temos de fato “a forma da aliança”[8]
No livro dos Salmos 113.5-8 nos mostra essa condescendência de Deus em favor do homem pecador:
Quem há semelhante ao SENHOR, nosso Deus, cujo trono está nas alturas, que se inclina para ver o que se passa no céu e sobre a terra? Ele ergue do pó o desvalido e do monturo, o necessitado, para o assentar ao lado dos príncipes, sim, com os príncipes do seu povo.
Deus é o único que vem em direção dos homens, o ato de se inclinar indica que Deus se preocupa com as coisas dos homens.
3.      O Relacionamento entre Deus e o Homem se expressa por meio de um Pacto:
A terceira verdade que esta seção da CFW nos ensina é que essa condescendência divina se dá a conhecer por meio “de um pacto”. Na realidade há aqueles que sustentam que em Adão não encontramos pacto algum! A Escritura é muito clara ao tratar desta questão, ainda que o termo pacto não apareça, aprendemos pela Escritura em Oséias 6.7 que havia um pacto no Éden. Pois, o profeta “proclamou que Israel, como Adão, tinha quebrado o pacto porque tinha sido infiel a Yahweh”.[9]
III – ADÃO E O PACTO (Seção II)
II. O primeiro pacto feito com o homem era um pacto de obras (Gl 3:12) no qual a vida foi prometida a Adão e nele à sua posteridade (Rm 10:5; Rm 5:12-20) sob a condição de perfeita obediência pessoal (Gn 2:17; Gl 3:10).
Na segunda seção deste capítulo da CFW somos introduzidos ao pacto das obras. Algumas pessoas ao ler essa declaração da Confissão “o primeiro pacto feito com o home era um pacto de obras...” entende que aqui se faz referência a uma salvação por meio do esforço de Adão. Isto suscita outro debate ainda gigantesco no que tange a recompensa prometida no pacto: o céu ou a terra?  Seria o céu o vida continuada no jardim?[10]Há aqueles que temem usar o vocábulo “Pacto de obras” e usam a nomenclatura de “pacto de vida”. Turrentini sustenta que Adão recebeu “a promessa da vida eterna e celestial de modo que (uma vez terminado seu curso de obediência) ele seria conduzido ao céu”.[11]Nesta seção nós aprendemos:
1.      Que este pacto envolvia uma promessa de vida.
Este tem sido o ensino da teologia bíblica da Reforma. É o que nos ensina Gálatas 3.12. O pacto que Deus fez com Adão no Jardim do Éden envolvia a vida, como também envolvia a morte, são elementos fundamentais no estabelecimento de um pacto.
2.      Que esta vida foi prometida a Adão e a toda sua Descendência:
Todos os descendentes de Adão receberam juntamente com ele a promessa da vida, esta vida poderia ser a vida eterna ou mesmo a confirmação eterna no estado de graça. Em Romanos 10.5 e Romanos 5.12-20 vemos isso de forma clara , estávamos e estamos tão intimamente ligados a Adão que a Promessa de vida que ele recebeu era também promessa para nós que descendemos dele.
3.      Que este pacto exigia uma perfeita obediência à lei pactual.
Este é o último aspecto a ser analisado na segunda seção de nossa Confissão, este pacto que Deus fez com Adão exigia que ele tivesse uma perfeita obediência à lei de Deus. Isto é bem claro nos textos como tais: Gênesis 2.17; Gálatas 3.10.






[1] SPROUL, R.C. Everyone’s A Theologian – An Introduction to Systematic Theology. Orlando: Reformation Trust. 2014, p.105
[2] HORTON, Michael. Introducing Covenant Theology . Grand Rapids: Baker Books, 2009, p.10
[3] ROBERTSON, O. PALMER. O Cristo dos Pactos. Tradução: Amério J. Ribeiro. Campinas - SP: Luz para o Caminho, 1997, p.8
[4] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Tradução: Odayr Olivetti., Campinas: Cultura Cristã, 2980 p.256
[5] ROBERTSON, O. PALMER. O Cristo dos Pactos. Tradução: Amério J. Ribeiro. Campinas - SP: Luz para o Caminho, 1997, p.8
[6] BEEKE, Joel R.; JONES, Mark. Teologia Puritana – Doutrina para a Vida. São Paulo: Vida Nova 2016, p. 330.
[7] VAN DEURSEN, Frans. El Pacto de Dios. Barcelona: Felire, 1994, p.3.
[8] Veja-se BEEKE, Joel R.; JONES, Mark. Teologia Puritana – Doutrina para a Vida. São Paulo: Vida Nova , 2016, p. 335.
[9] GRONINGEN, Gerard Van. Criação e Consumação – O Reino, a Aliança e o Mediador – Volume I. Tradução: Denise Meister. São Paulo: 2002, p.89.
[10] BEEKE, Joel R.; JONES, Mark. Teologia Puritana – Doutrina para a Vida. São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 342.
[11] TURRETIN, Francis. Compêndio de Teologia  Apologética - 8.6.1. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, , p.727.