sábado, 15 de setembro de 2018

O PROBLEMA DO ANTIGO TESTAMENTO


IGREJA PRESBITERIANA DE RIACHÃO DO JACUÍPE – BA
O PROBLEMA DO ANTIGO TESTAMENTO
Rev. João Ricardo Ferreira de França.
Introdução:
            Agora nos cabe considerar a razão porque o Antigo Testamento é um problema para a igreja de hoje. Kaiser lembra-nos que em vez da igreja agradecer pela grande benção do Antigo Testamento, vive questionando sobre sua utilidade e rejeitando-o.[1] Qual é a problema do Antigo Testamento? Alguém já declarou: “O problema do Antigo Testamento, portanto, é não apenas um entre muitos. É o problema principal da teologia.[2] Ele assevera que o Antigo Testamento é o fundamental problema para seu estudo.
I - A QUESTÃO DO MITTE[3] NO ANTIGO TESTAMENTO.

Diante de vários problemas no estudo do Antigo Testamento há, entretanto, um que é fundamental – é a questão do mitte. Será que existe um tema que integre toda a revelação veterotestamentária? Há diversas propostas. O problema pode ser colocado da seguinte forma: “existe na fé veterotestamentária um núcleo central, do qual tudo parte e em torno ao qual tudo se move?”[4]
Qual é a grande ideia que governa o Antigo Testamento? Esta pergunta é feita por cada estudioso que se aproxima do Antigo Testamento. Assim, ele precisa buscar o telos (propósito, tema) do Antigo Testamento para entender toda a revelação de Deus.
Para Von Rad o “objeto da teologia veterotestamentária é o conjunto dos testemunhos da ação de Deus na história – tanto de acontecimentos que precederam cronologicamente os testemunhos, como no Hexateuco, como acontecimentos posteriores, como no caso dos profetas."[5]
O problema da abordagem de Von Rad é que ele faz a distinção entre a fé e os eventos históricos; assim, torna-se vazio o conceito de um centro unificador na Teologia Bíblica conforme proposta por ele; Kaiser nos alerta para o seguinte:

Depois de um quarto de século, porém, Gerhard von Rad veio completar quase um círculo completo e adotou a própria posição que merecera originalmente a repressão de Eichrodt. Ao separar a intenção ‘querigmática’, ou propósitos homiléticos, dos vários escritores do A.T dos fatos da história de Israel, Von Rad não somente negou qualquer fundamento genuíno para a confissão da fé que Israel tinha em Javé, como também mudou o objeto do estudo teológico de uma focalização sobre a Palavra de Deus e Sua obra, para os conceitos religiosos do povo de Deus. Para von Rad não havia a necessidade de fundamentar  o querigma da crença em qualquer realidade objetiva, ou qualquer história como evento. A Bíblia não é tanto a fonte da fé dos homens do A.T como uma expressão da sua fé [...] conforme a opinião dele, cada época  histórica tinha uma teologia sem igual a ela, com tensões internas, diversidade e contradições à teologia das demais épocas do A.T. De fato, não havia, para ele, nenhuma síntese na mente dos autores bíblicos ou nos textos, mas apenas a possibilidade de uma ‘tendência para a unificação’. O historicismo voltara! O A.T não possuía qualquer eixo central ou continuidade de um plano divino; pelo contrário, continua uma narrativa de como o povo lia religiosamente a sua própria história, sua tentativa de tornar reais e apresentar eventos e narrativas mais antigos.[6]

A resposta de Kaiser a Von Rad é verdadeira e legítima, pois, se abordarmos o texto dentro desta perspectiva não poderemos ter um centro unificador. E não existe uma Teologia Bíblica, mas várias formas confessionais, a fé não tem elementos históricos dentro deste esquema.

II - PROPOSTAS PARA UM CENTRO UNIFICADOR.

            Muitos estudiosos podem até julgar desnecessária tal abordagem, todavia, Hasel nos diz que “a questão da existência do que pode ser considerado o centro (do alemão Mitte) do Antigo Testamento é de suma importância para o estudo da teologia do Antigo Testamento e para a compreensão deste”[7]
            No entendimento de Hasel só se pode ter uma compreensão adequada do Antigo Testamento na tentativa de buscar nele um centro unificador. Neste momento avaliaremos algumas propostas com relação à grande ideia que o Antigo Testamento apresenta para cada um de nós.

a)      A Santidade de Deus.

A primeira proposta que percebemos é a da Santidade de Deus; esta proposta é adotada por homens como E.Sellin. O argumento dele em favor deste Mitte é o fato de que “isto caracteriza a natureza mais profunda e íntima do Deus do Antigo Testamento”[8].
            Sallin argumenta “que seu estudo se preocupa ‘apenas com a longa e única linha que termina no Evangelho: a palavra do Deus eterno nos escritos do Antigo Testamento”[9].
            O exegeta do Antigo Testamento pode expor o texto Bíblico tendo a noção fundamental que o tema central que norteia a mensagem veterotestamentária é a Santidade de Deus.
            Qual é o problema com esta proposta da Santidade? É que alguns livros do Antigo Testamento parece não ser dominado, em sua mensagem, por este tema: Os Históricos e os Sapienciais são exemplos claros disto. No livro de juízes a santidade de Deus parece não ser o tema que integra a sua mensagem, e muitos textos de provérbios e salmos não indicam esta perspectiva.

b) O Senhorio de Deus.
           
Esta proposta é interessante porque apresenta a realidade de que Deus é Senhor. Este Mitte é defendido como tema central do Antigo Testamento por Ludwing Köhler Para ele a afirmação “Deus é Senhor” é “a espinha dorsal da Teologia do Antigo Testamento” (KÖHLER, 1957, p. 35).
            O exegeta bíblico pode se valer deste conceito e trabalhar a sua exposição tendo este tema como sendo o que de fato unifica o Antigo Testamento. Mas, qual é o problema desta abordagem? É que os livros de juízes e sapienciais não nos apresenta este conceito de forma clara, se um tema não integra todos os livros do Antigo Testamento ele não pode ser eleito como Mitte para a mensagem central do Antigo Testamento.

c) O Governo e a Comunhão com Deus.
           
Esta proposta é de George Föhrer que tenta apresentar isso de forma muito interessante; pois, ele diz que apesar de se tentar por diversas vias a elaboração de um Mitte ele diz que “deveria ser possível falar de um núcleo central da fé e da teologia veterotestamentária.” Ele percebe a dificuldade de se escolher um único tema que integre toda a mensagem do Antigo Testamento e diz que

essa possibilidade poderia ser oferecida por dois tipos de conceitos: soberania de Deus e comunhão entre Deus e o homem [...] da soberania  e da comunhão com Deus, constituem o elemento unificador da multiplicidade, vinculando-se entre si como os dois pontos focais de uma elipse.[10]

            Mas esta abordagem também merece crítica, por isso, um pregador que deseja expor todo o Antigo Testamento não deveria se aferrar a esta temática; pois, esta linha de argumentação deixa de fora dois livros fundamentais: Ester e Cantares de Salomão. Ora, então, tal abordagem da mensagem central não é legítima.

d) A Promessa.
           
Este Mitte tem sido habilmente defendido por Walter C. Kaiser Jr., pois, ele sugere que o tema que integra toda a mensagem do Antigo Testamento tem sido a promessa. Tudo é promessa vinculada ao cumprimento. Para ele o Antigo Testamento é a promessa, e o Novo Testamento é o cumprimento.
            Ele diz que o “verdadeiro problema, declarado com singeleza, é o seguinte: Existe uma chave para um arranjo metódico e progressivo dos assuntos, temas e ensinos do Antigo Testamento?”[11]. Se a resposta for negativa, então, o que temos são diversas teologias do Antigo Testamento e assim a “ideia de uma teologia do Antigo Testamento como tal precisaria ser abandonada de modo permanente” (KAISER, 1984, p.23).
            Ele diz que o Mitte deve ser “textualmente demonstrado” tendo a abordagem canônica como canal de limitação da Teologia Bíblica. Este tema era conhecido no “AT sob uma constelação de termos. A mais antiga de tais expressões era ‘bênção’”[12] Mas Kaiser segue a noção de que o verbo falar no hebraico “significava prometer”, e assim, ele extrai das várias passagens que menciona a fala de Deus em termos de promessa a sua Teologia Bíblica. E diz que a “estas promessas Deus acrescentou Seu ‘compromisso’ ou ‘juramento’ assim tornando duplamente certas a palavra imediata de bênção e a palavra futura da promessa”[13]. Assim, ele oferece a chave que abre a porta para o tema unificador do Antigo Testamento. Ele apela para as fórmulas da promessa, como ele mesmo chama, em textos como Gênesis 15.7 “Eu sou o SENHOR que te tirei de Ur dos caldeus” dizendo que esta expressão é a que domina a promessa.[14] Qual é a vantagem deste método? Ele tende a enfatizar a unidade das Escrituras. No entanto, corre-se o risco de tornar o resultado artificial e subjetivo, uma vez que as diferentes categorias ou temas podem ser impostos pela teologia ao texto em lugar de naturalmente serem percebidos nele. Alguém já disse que:

Até mesmo temas considerados universais como o pacto podem acabar sendo usados de forma indiscriminada, torcendo os dados bíblicos, ou mesmo ignorando-os, para que o resultado se encaixe em um determinado padrão. Ainda que não incorra em todos esses perigos. (SOUZA, Teologia Bíblica: Um Esboço, aulas ministradas no segundo semestre do SPN no ano de 2007)

e) O Pacto.
           
A próxima proposta a ser avaliada é o conceito de aliança. Esta proposta é apresentada por Eichrot. Pois, “apartir deste conceito explicamos a unidade estrutural e a tendência básica permanente da mensagem do Antigo Testamento.”[15] Ele sugere que o conceito não deve ser limitado a noções doutrinárias[16], mas como sendo uma descrição viva do progresso revelacional.[17]
            Isto implica dizer que a “teologia de Eichrodt consiste numa das mais impressionantes tentativas de se compreender o Antigo Testamento como um todo, partindo não apenas de um centro, mas também do conceito unificador de ‘aliança’”[18].
            A postura que adotamos é a questão do pacto, todavia, temos algumas considerações apresentadas por Eichrodt, pois, ele fala como se houvesse várias formulações pactuais.
            Um problema na discussão da aliança é que ela não contempla de fato os livros sapienciais; mas Van Groningen percebendo esta falha no sistema pactual nos apresenta uma alternativa adjacente para o pacto, ele mesmo diz:

Tenho desenvolvido o conceito do "Cordão Dourado". Os três fios desse cordão dourado são o reino, o pacto e o mediador. O reino, estabelecido na criação, é o cenário; a aliança é o meio administrativo; e o mediador é (são) o agente da aliança servindo aos propósitos do reino. (GRONINGEN, 2008, p. 39)

            Diante destas informações o que o ministro da palavra deve fazer? Uma vez que o pregador consegue captar o Telos geral das Escrituras ele será capaz de trabalhar com os “sub-telos” (ADAMS, Jay. Conferência Fiel para Pasoteres e Líderes, 2000).
            O que são os sub-telos? “São os temas menores que se manifestam nos livros da Bíblia e que estão intimamente ligados com o telos maior das Escrituras”. (ADAMS, Jay. Conferência Fiel para Pasoteres e Líderes, 2000).
            Jay Adams nos mostra porque muitos sermões no Antigo Testamento parecem não possuir unidade:
Há poucas deficiências na pregação, tão completamente desastrosas em seus efeitos, quando a falha que ocorre, muito frequêntemente, em se determinar o telos (ou propósito) de uma porção que pode ser pregada. A passagem e, portanto, a própria Palavra de Deus, é deturpada, abusada e mal tratada quando seu propósito não foi determinado, resultando diretamente na perda de seu poder e autoridade[19]

Qual é o tema unificador que o exegeta deve identifica no Antigo Testamento? Uma vez respondida esta pergunta à sua Teologia Bíblica implicará em um trabalho exegético derivado unicamente das Escrituras.
           




[1] KAISER JR, Walter C. Pregando e Ensinando a partir do Antigo Testamento – Um guia para Igreja. Rio de Janeiro: CPAD, 2009, p.37.
[2] KRAELING, Emil G. The Old Testament Since The Reformation. New York: Schocken Rooks, 1969, p. 8 – minha tradução.
[3] Mitteé um termo alemão que significa – tema, centro e tem sido usado entre os teólogos bíblicos para desenvolver um tema que integre todo Antigo Testamento em sua mensagem e desenvolvimento.
[4]FOHRER, Georg. Estruturas Teológicas Fundamentais do Antigo Testamento. São Paulo: Ed. Paulinas, 1982, p. 137.

[5] idem.
[6] KAISER, Walter C. Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1984, p. 4-5 – ênfase nossa
[7] HASEL, Gerard  F. Teologia do Antigo Testamento. Rio de Janeiro: Juerp, 1987, p.57
[8] Apud,HASEL, Gehard F. Teologia do Antigo Testamento, Rio de Janeiro: Juerp, 1987, p.58
[9] Idem
[10] FOHRER, Georg. Estruturas Teológicas Fundamentais do Antigo Testamento. São Paulo: Ed. Paulinas, 1982, p. 141 – ênfase nossa.
[11] KAISER, Walter C. Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1984, p.22.
[12] Ibid, p.35
[13] Idem.
[14] Ibid, 36-37
[15] EICHRODT, Walther. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Ed. Hagnos, 2004, p. 9
[16] Ibid, p.10
[17] Idem
[18] Gehard F. Teologia do Antigo Testamento, Rio de Janeiro: Juerp, 1987, p.57
[19] ADAMS, Jay E. Preaching with Purpose. Grand Rapids: Baker, 1982, p.27

AULA 01 PRESBITERIANSIMO