CREDO APOSTÓLICO: CRISTO DESCEU AO
HADES?
Rev. João
Ricardo Ferreira de França
INTRODUÇÃO:
O nosso
estudo neste momento compete considerar a declaração credal que diz “desceu ao
hades” ou “descendi ad inferna”[1],
esta expressão tem sido debatida ao longo da história. A motivação desse debate
é que tal expressão não pertence ao texto inicial do Credo Apostólico.
A origem
desta expressão é incerta! Kelly lembra que o problema desta expressão é que
ela levanta toda discussão sobre o que de fato ela ensina:
Nenhuma das
modificações do R que consideramos até agora pode ser considerada de
importância decisiva. No entanto, há uma que realmente adiciona algo de
substancial ao segundo artigo do credo e que envolve dificuldades exegéticas de
ordem média - ELE DESCEU AO INFERNO (descendit ad inferna).[2]
Michael Horton em seu comentário
ao Credo Apostólico toma esta expressão como sendo idiomática significando que
o sofrimento de Cristo na cruz foi o seu inferno.[3]Esta
é uma abordagem que boa parte dos reformados seguem. Inclusive Barth, de forma
surpreendente, segue esta linha de interpretação.[4]
Esta declaração que Cristo “desceu ao inferno”, lembra-nos, Berkhof “não é tão
antiga e nem universal no credo”[5].
I – A HISTÓRIA DESTA EXPRESSÃO NO CREDO.
A
principal dificuldade que se tem com esta expressão “desceu ao inferno” é que
ela não se encontra nas versões mais antigas do Credo Apostólico. Witsius, em suas
dissertações sobre o Credo Apostólico, afirma:
É digno de nota que, antigamente, aqueles credos que possuíam
o artigo sobre a descida de Cristo ao inferno, não continham o artigo relativo
ao seu sepultamento, e aqueles nos quais o artigo com respeito à descida ao
inferno foi omitido, de fato continham o artigo relativo ao sepultamento.[6]
Se seguirmos esta abordagem de Witsius então aqui o
somente enfatiza a morte de Cristo. “A palavra no original empregado no Credo é
ínferos. A frase traduzida por “desceu ao inferno” apareceu pela
primeira vez em uma das versões do Credo de Rufino, em 390, e depois não
apareceu novamente em qualquer versão do credo, até o século VII”[7].
O próprio Rufino explica a razão desta inclusão quando declara que
a intenção da
altearão do Credo em Aquiléia não foi a de acrescer uma nova doutrina, mas a de
explicar uma antiga e, portanto, o credo de Aquiléia omitiu a cláusula foi
crucificado, morto e sepultado e a substituiu por uma nova cláusula, descendi
ad inferna[8]
No Credo de Aquiléia a declaração
do símbolo apostólico era assim: “Creio em Jesus Cristo, seu Único Filho, nosso
Senhor. O qual foi concebido por obra do Espírito Santo, nasceu da virgem maria
padeceu sob Pôncio Pilatos foi crucificado, morto e sepultado,” ou terminava
com “desceu ao inferno”; então esta expressão não fazia parte do Credo
Apostólico original.
Na verdade
esta expressão “desceu ao hades” fazia uma permuta com “foi crucificado, morto
e sepultado”. A expressão ora aparecia no lugar da expressão “crucificado, morto
e sepultado”. Ora era somente a
expressão desceu ao hades que aparecia.
Héber
Carlos de Campos nos lembra o cerne do problema sobre este assunto quando ele
mesmo diz:
Enquanto houve a omissão da cláusula “sepultado” e o
aparecimento da cláusula substituta “desceu ao Hades” ou vice-versa, não surgiu
nenhum problema teológico novo. Este apareceu quando as duas expressões acima
apareceram no mesmo Credo, uma após a outra. Por volta do século VII, a cláusula
descendi ad inferna apareceu em outros credos, mas como um acréscimo
a crucificado, morto e sepultado e não como expressão substitutiva dessas
coisas acontecidas a Cristo.[9]
Historicamente a igreja sempre entendeu que a
expressão “desceu ao inferno” se trata de uma referência à crucificação, a morte
e sepultamento de Cristo Jesus. A problemática se deu quando esta expressão
apareceu após as expressões anteriores. E, novas ideias teológicas foram
trazidas, e ensinos errados foram propagados a partir da inclusão dessa
clausula.
II
– AS CONCEPÇÃO TEOLÓGICAS NA COMPREENSÃO DA EXPRESSÃO “DESCEU AO INFERNO” NO
CREDO APOSTÓLICO.
Consideremos agora as várias concepções teológicas
sobre esta expressão que se tem no credo apostólico; em linhas gerais temos,
quatro tradições cristãs que interpretam de modo diverso a expressão: 1.
Católica Romana; 2. Luterana; 3. Anglicana e 4. Calvinista.
2.1 – A Concepção Romanista:
A Igreja Católica Romana a entende no sentido de que, após a Sua morte, Cristo foi
para o Limbus Patrum (paraíso dos pais), onde os santos do Velho
Testamento estavam aguardando a revelação e aplicação da Sua obra
redentora, pregou-lhes o Evangelho e os levou para o céu.
“Como afirma o catecismo tradicional da
Espanha, há quatro infernos: o inferno dos condenados, o purgatóriooel limbo
dos infantes e o limbo dos justos ou seio de Abraão. O inferno ao que Cristo
desceu não é o dos condenados, mas o lugar onde moravam as almas dos justos que
morreram antes de ser consumada a redenção, e que recebe o nome de limbo dos
justos (limbus Patrum).”[10]
2.2 – A Concepção Luterana.
Os luteranos consideram a descida ao hades como
o primeiro estágio da exaltação de Cristo. Cristo foi ao mundo inferior para
revelar e consumar a Sua vitória sobre Satanás e sobre os poderes das trevas, e
para pronunciar a sentença de condenação deles. Alguns luteranos localizam essa
marcha triunfal entre a morte de Cristo e Sua ressurreição; outros, após a
ressurreição.
2.3 – A Concepção Anglicana:
A Igreja da Inglaterra sustenta que, enquanto o corpo de Cristo estava
no túmulo, a alma foi ao hades, mais particularmente ao paraíso, a
habitação das almas dos justos, e lhes fez uma exposição mais completa da
verdade.
2.4 – A Concepção Calvinista:
João Calvino interpreta a frase metaforicamente,
entendendo que se refere aos sofrimentos penais de Cristo na cruz, onde Ele
sofreu realmente as angústias do inferno.
A interpretação do catecismo de Heidelberg é parecida.
Segundo a posição reformada (calvinista) usual, as palavras se referem não
somente aos sofrimentos de Cristo na cruz, mas também às agonias do Getsêmani.
III – ANALISANDO OS TEXTOS BÍBLICOS USADOS.
As diversas tradições
possuem abordagens significativas em prol da ideia que adotam sobre a
declaração credal. E, usam algumas passagens para justificar que a descida ao
hades é uma doutrina oriunda das escrituras.
a) Efésios
4.9: “ora o que quer dizer subiu, senão que também havia descido até as regiões
inferiores da terra?”. Esta passagem é evocada porque a expressão “regiões
inferiores da terra” como sendo sinônimo de Hades. Aqui a referência seria “à
vinda de Cristo à terra”[11]
Calvino rejeita de forma contundente a ideia de que estas palavras significam “purgatório
ou inferno”, e declara que estas palavras “nada mais significam que a condição
presente na terra”[12],
pois, boa parte dos comentadores “entende que a expressão se refere
simplesmente à terra”[13]
b) 1ª
Pedro 3.18-19: Esta tem sido a passagem
de maior debate nesta questão. A interpretação de que Cristo foi no inferno e
pregado aos pais ou aos perdidos tem grande força no meio evangélico de modo
geral. Porém, na tradição Reformada essa passagem entende-se que se refere a
Cristo pregou aos contemporâneos de Noé, pois, era pregador da justiça de
Cristo. (2ª Pedro 2.4-5). Quando Pedro fala dos espíritos em prisão, está se
referindo aos contemporâneos de Noé. Que ouviram a mensagem de Cristo através
dele, mas rejeitaram, sendo assim espíritos (vidas) em prisão.
c) 1ª
Pedro 4.4-6:
Por isso,
difamando-vos, estranham que não concorrais com eles ao mesmo excesso de
devassidão, os quais hão de prestar contas àquele que é competente para julgar
vivos e mortos; pois, para este fim, foi o evangelho pregado também a mortos,
para que, mesmo julgados na carne segundo os homens, vivam no espírito segundo
Deus.
O foco da discussão se dá no versículo 6 desta
passagem. No contexto da passagem Pedro exorta a seus leitores a que não “vivam
o restante de suas vidas na carne para as luxúrias dos homens, mas para a vontade de Deus mesmo
que isso ofendam aos seus ex-companheiros”, e, mesmo que eles sejam “ultrajados
por eles terão que prestar contas a Deus” que está sempre pronto para “julgar
vivos e mortos” – os mortos aqui são os que ouviram a pregação enquanto estavam
vivos, pois, o propósito desta pregação era, em “parte, que fossem julgados na
carne segundo os homens”[14]
CONCLUSÃO:
E aqui terminamos o estágio de humilhação de nosso
redentor Jesus Cristo. Vimos que a descida ao Hades de Cristo significa que o
seu sofrimento na cruz foi o seu hades que o levou a mansão dos mortos.
[1] A
forma “ínferos” é usada hoje como uma referência ao lugar dos mortos, e
não dos condenados.
[2]
KELLY, J.N. D. Early Cristian Creeds .New York: Editora Continuum, 1972,.p378
[3]
HORTON, Michael. Creio – Redescobrindo o Alicerce espiritual. São Paulo:
Editora Cultura Cristã,2000,,p.100
[4] KARL,
Barth. Credo – Comentário ao Credo Apostólico. São Paulo: Fonte
Editorial, 2010, p.95.
[5]
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã,
1990, p.313
[6] Herman
Witsius, Dissertations on The Apostle’s Creed, vol. II, reimpress„o
(Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1993), 140.
[7]
FERREIRA, Franklin. O Credo Apostólico – As Doutrinas Centrais da Fé Cristã.
São José dos Campos – SP: Editora Fiel, 2015,p.177.
[8]
CAMPOS, Héber Carlos de. “Descendit Ad Inferna” Uma Análise da
Expressão Desceu Ao Hades No Cristianismo Histórico. In: Fides Reformata
4/1 (1999). São Paulo: Mackenzie, 1999, p.1-21
[9] Idem.
[10]
OTT, Ludwig. Manual de Teología Dogmática, p. 301.
[11]
ROGERS, Cleon; FRITZ, Leon. Chave Linguistica do Novo Testamento Grego. São
Paulo: Editora Vida Nova, 1985, p.393
[12]
CALVINO, João. Efésios – comentário bíblico. São José dos Campos – SP:
Editora Fiel, 2007, p.93.
[13] BERKHOF,
Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1990,
p.313
[14] BERKHOF,
Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1990,
p.314
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