A EUCARISTIA NA REFORMA PROTESTANTE
Rev. João Ricardo Ferreira de França.
Enquanto
comiam, tomou Jesus um pão, e, abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos,
dizendo: Tomai, comei; isto é o meu corpo. A seguir, tomou um cálice e, tendo
dado graças, o deu aos discípulos, dizendo: Bebei dele todos; porque isto é o
meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado em favor de muitos, para
remissão de pecados. E digo-vos que, desta hora em diante, não beberei deste
fruto da videira, até aquele dia em que o hei de beber, novo, convosco no reino
de meu Pai. E, tendo cantado um hino, saíram para o monte das Oliveiras. (Mateus 26.26-30)
Neste ano, no dia 31 de outubro, a Reforma estará comemorando 506 anos de sua
deflagração contra os abusos de Roma. Todavia, quando lemos os artigos que
falam sobre este momento singular da história, geralmente, temos a impressão de
que a Reforma foi um movimento onde houve uma unanimidade em todos os seus
particulares, mas a realidade é outra bem distinta da que pensamos, existiu
grandes divergências entre eles. Este breve artigo visa abordar, de forma
resumida, uma delas: a Eucaristia ou Santa Ceia.
A Santa Ceia sempre foi considerada como o vínculo de paz e unidade entre os
crentes, todavia, foi motivo de discórdias dentro da chamada Reforma
Protestante. É notório que o problema da Santa Ceia está vinculado as
concepções cristológicas sustentadas pelos reformadores, e assim, a Eucaristia
tem como pando de fundo a questão da presença ou não de Cristo nos elementos.
Antes da Reforma ocorrer a doutrina da Eucaristia era diferente da que nós
temos hoje. A primeira realidade é que na “igreja primitiva, a celebração da
Ceia do Senhor era o ponto central da adoração cristã”. (GEORGE, Timothy, 1993,p.145).
Curiosamente o sacramento da Santa Ceia foi corrompido pala concepção da
Transubstanciação ( a substância se transforma ). Tal doutrina passou a ser
doutrina oficial na Igreja de Roma no quarto Concílio de Laterano em 1215
(BERKHOF, Louis., 1989, p.226.). Mas, essa idéia é bem anterior conforme
podemos ver, pois, “em 818 d.C um teólogo medieval chamado Pascácio Radbert
formalmente propôs a doutrina de que os elementos, pelo poder divino,literalmente se transformam no mesmo corpo que nasceu de Maria” (BERKHOF, Louis,
1989, p.226.).
.
No período da Idade das
Trevas – ou Idade Média – a Santa Ceia passou a ser vista como algo miraculoso
que protegia o viajante da doença, preservava os marinhos da fúria do mar, dava
ainda a provisão na lavoura; chegava-se ao absurdo de dizer que a Ceia dava uma
boa esposa ao solteiro (TAPPERT, Theodore G., 1961,
p.41).
OS
REFORMADORES E A EUCARISTIA.
Diante disso, a Reforma se colocou contra estas concepções sobre o sacramento
da Santa Ceia. Lutero tinha uma visão muito individual quanto a este sacramento
ele “criticou a negação do cálice aos leigos” (SIERPIESKI, Paulo, sem data,
p.8.) Ele expressou dúvidas e criticou a doutrina da Transubstanciação. Lutero
rejeitou a concepção de que os sacramentos fossem obras meritórias, e ensinou
que eles eram dons da graça de Deus à sua Igreja e devem ser recebidos com fé.
(LUTERO, Martinho, 2006, p.50.).
O
problema se manifestou quando Zwínglio tomou ciência de que Lutero estava
ensinando que o corpo de Cristo estava literalmente presente na eucaristia,
enquanto o reformador Zwínglio ensinava que o pão e o vinho, da Santa Comunhão,
eram apenas memoriais da morte de Cristo, e assim, o estopim estava ativado.
Lutero escreve uma carta a um amigo dizendo que a interpretação do reformador
Zwínglio estava equivocada (STROHL, Henri, 1989,
p.144); o reformador alemão tinha a seu favor um tese de um padre que defendia
a consubstanciação que nunca foi negada oficialmente pela Igreja Romana
(STROHL, Henri., Ibid, p.225), isso ainda alimentou a
concepção de que Lutero estivesse certo.
Houve uma guerra de escritos sendo trocados entre ambos, pois, discordavam
energicamente quanto a este assunto; os livros de ambos chegaram a ser vendidos
lado a lado pelos jornaleiros da época. Lutero não estava disposto a dizer que
a Eucaristia era um mero “símbolo das realidades espirituais” (GONZALEZ, Justo
L., 1983, p.71). A grande arma de Lutero era as palavras da Instituição de
Cristo “isto é o meu corpo”, não “indica a transubstanciação, mas aponta para o
fato de que Cristo está literalmente sobre o pão, ao lado do vinho e sob ambos
os elementos” (Idem)
UMA
SOLUÇÃO PROPOSTA: UMA DIVISÃO PERMANENTE.
Diante de tamanha guerra decidiu-se
fazer um debate entre os grupos – luteranos e zwínglianos – para se resolver o
dilema. Filipe de Hesse propôs que o debate fosse realizado em seu Castelo em
Marburgo no ano de 1529. Lutero estava acompanhado de seu ilustre amigo
Melanchton e com outros colegas. E Zwínglio estava acompanhado de Ecolampádio,
Bucer que era os líderes principais dos Zwínglianos. O fato curioso neste
debate é que dos quinze pontos discutidos entre Lutero e Zwínglio quartoze
deles ambos estavam de acordo, mas na questão da Eucaristia ambos discordavam.
O reformador Zwínglio chegou a clamar com lágrimas que desejava concordar com
os luteranos (GEORGE, Timothy., Op.Cit, p.150) Travou-se uma guerra
exegética. Zwínglio diz que Lutero defende uma doutrina que não pode ser comprovada
pelas Escrituras, e não tem a menor coragem de citar uma única passagem. Lutero
estava com uma lousa coberta com um pano, e após, a declaração de seu opositor,
removeu o pano, e no quadro estava escrito “Este é o meu corpo!”, então, Lutero
dirigiu-se a Zwínglio dizendo: “Aqui está a nossa passagem das Escrituras. Você
ainda não a tirou de nós.”(Idem) Lutero rejeitou as figuras de linguagem usadas
por Zwínglio para mostrar que ali estava empregada uma linguagem não-literal.(
KLEIN, Carlos Jeremias.,2006, p.77-82) Mas isso foi em vão. Ambos os grupos
ficaram divididos definitivamente.
O
EXEGETA DA REFORMA: UMA VISÃO CONCILIADORA.
Na discussão entre Lutero e Zwínglio
havia um homem que pensou profundamente sobre essa questão da Eucaristia. Ele
nos ofereceu um esclarecimento bíblico e teológico sobre a Ceia do Senhor e a
presença de Cristo na mesma. O nome deste reformador é João Calvino considerado
o maior exegeta da Reforma Protestante. Para Calvino a Eucaristia era mais que
uma simples “cerimônia de comemoração do Sacrifício de Cristo: era um evento de comunhão com o próprio Cristo”
(CALVINO, João, 1999, Livro 4, Cap.14, parag.1,9.). Embora ele aceitasse
algumas afirmações de Zwínglio, afirmava que Cristo estava presente no
Sacramento da Ceia mediante a ação do Espírito Santo, e assim, de fato, o
Sacramento poderia ser chamado de Meio de Graça onde os eleitos recebem o que a
eles é destinado no sacramento, enquanto que os falsos crentes recebem juízo de
Deus; logo, a concepção calvinista sobre a Ceia é que Cristo está real,
porém, espiritualmente nos elementos.
Esta concepção de Calvino é a posição das Igrejas Presbiterianas e Reformadas
conforme expressa seus símbolos de Fé. (Confissão de Fé de Westminster: Cp.27,
Seç. 3; Cp.29, Seç. 1,5,7; veja-se também o Catecismo Maior de Westminster nas
perguntas: 162, 168,170) O que aprendemos deste assunto? Aprendemos que Reforma
foi um movimento onde havia de fato uma reflexão teológica. Aprendemos que os
reformadores tiveram que lidar com questões que mereciam ser esclarecidas; mas
também aprendemos que aquilo que deveria unir a fé tornou-se uma divisão entre
eles. De sorte que mundo está dividido assim: os romanos com a
Transubstanciação; os luteranos com a Consubstanciação; os Zwínglianos com a
concepção Memorial e os calvinistas com a noção da Presença Real de Cristo nos
sacramentos de forma Espiritual. Isso deveria nos entristecer? Não. Isto
deveria nos estimular a orarmos para que a Igreja de Cristo mostre sua unidade
nestas questões singulares.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS.
BERKHOF, Louis. A História das Doutrinas Cristã, São Paulo: PES, 1989.
CALVINO,
João. Intitución
de la religión Cristiana, Barcelona:
Felire, 1999. Livro 4, Cap.14, parag.1,9.
GEORGE,
Timothy. Teologia
dos Reformadores, Trad.Gérson
Dudus & Valéria Fontana, São Paulo: Vida Nova,1993).
GONZALEZ,
Justo L. A
Era dos Reformadores,
São Paulo: Vida Nova, 1983.
LUTERO,
Martinho. Do
Cativeiro Babilônico da Igreja, Trad. Martin N. Dreher, São Paulo: Martin Claret,.2006.
KLEIN,
Carlos Jeremias. Os Sacramentos na Tradição Reformada, São Paulo: Fonte Editorial, 2005.
SIERPIESKI,
Paulo. História
do Cristianismo I, Da Reforma, Recife: Seminário Batista do Norte – Obra não
Publicada, s/d.
STROHL,
Henri. O
Pensamento da Reforma,
São Paulo: Aste, 1989.
TAPPERT,
Theodore G. The
Lord’s Supper: Past and Present Pratices Filadélfia: Muhlenberg Press, 1961.
O autor é formado em Teologia pelo Seminário
Presbiteriano do Norte (SPN) em Recife – PE; também é coordenador do
Departamento de Teologia Exegética do Antigo e Novo Testamento no Seminário
Presbiteriano Fundamentalista do Brasil (SPFB) em Recife – PE, atualmente
lidera a Igreja Presbiteriana do Brasil na cidade de Riachão do Jacuípe - BA.