OS ESTÁGIOS DO SOFRIMENTO DO REDENTOR
Rev. João França
INTRODUÇÃO:
Os evangélicos de modo geral não
sabem lidar com a expressão de fé em formato de um credo, catecismo ou confissão
de fé! Isto porque a maioria dos grupos religiosos são influenciados por uma cosmovisão
moderna e ateísta. Onde a negação do sagrado é evidente, e o viver sem ligação
com o passado é muito grande, há um desprezo pelo que é antigo.
Neste estudo do Credo Apostólico
somos conduzidos ao artigo 4 do Credo dos Apóstolos que diz: “Creio em Jesus
Cristo, [...] o qual padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e Sepultado[...]”
aqui aprendemos muito sobre o nosso redentor.
I - CRISTO PADECEU.
No estágio do sofrimento de
Cristo o Credo Apostólico declara que ele “Padeceu sob Poncio Pilatos” ou como
diz o texto latino: “passus sub Pontio Pilato”. O teólogo Reformado
Bullinger, em seus Decades, diz que neste quarto artigo da fé é
declarado “o fim, o uso e a obra principal da incarnação de nosso Senhor”[1].
Mas, o que significa a palavra “padeceu”? O catecismo de Heidelberg no domingo
de número 15 Responde:
Que Cristo, em corpo e alma, durante toda a sua vida
na terra, mas principalmente no final, suportou a ira de Deus contra os pecados
de todo o gênero humano. Por este sofrimento, como o único sacrifício
propiciatório, Ele salvou, da condenação eterna de Deus, nosso corpo e alma e conquistou para nós a graça de Deus, a
justiça e a vida eterna.[2]
Uma das passagens que podem exemplificar essa
declaração é Filipenses 2.5-11 quem em termos teológicos é uma condensação da
vida e paixão de Cristo descrita por Paulo.[3]
Zacharias Ursinus, um dos autores do Catecismo de Heidelberg, segue esse
pensamento condensador da teologia paulina afirmando que:
A paixão ou sofrimento de Cristo é colocada
imediatamente após a sua concepção e nascimento; 1. Porque toda a nossa
salvação consiste na sua paixão e morte. 2. Porque toda a sua vida foi uma cena
contínua de sofrimento e privação. Também há muitas coisas que podem e devem
ser observadas de forma proveitosa na história da vida que Cristo viveu na
terra, escrita por aqueles que foram testemunhas oculares dos fatos que eles
registram. Pois isso não apenas prova que ele é o Messias prometido, na medida
em que todas as previsões dos profetas se cumprem nele, mas também é uma
contemplação da humilhação e obediência que ele prestou ao seu Pai.[4]
Uma das passagens clássicas que o Catecismo de
Heidelberg cita é Isaías 53.4,12. Neste texto vemos que o padecimento ou
sofrimento do Messias deve ser encarado em termos redentivos, ou seja, seu
sofrimento é um preambulo da efetivação da salvação que se manifesta com sua
morte e se confirma com sua ressurreição (Romanos 4.25). Ele de fato padeceu é
um homem de dores e saber o que é padecer ou sofrer. Mais, uma vez
Bulling descreve este sofrimento declarando “que ele sofreu verdadeiramente as
calamidades e misérias deste mundo, e depois disso, novamente os tormentos dos recebido
dos seus algozes e a própria morte em dores de muita amargura.”[5]Então,
o entendimento Reformado sobre o termo “padeceu” no credo está ligado a todo o
sofrimento durante a vida até o momento da morte do Messias.
Sabemos que o personagem Pilatos entra no credo como
uma referência histórica[6].
Bulling diz que este artigo não deixa passar o tempo quando cita Pilatos, pois,
ele foi “o juiz sob o qual o Senhor foi morto.” Ele lembra, em linhas mais
acima, que o sofrimento de Cristo foi um “sofrimento no corpo e na alma”.[7]
O saudoso James I. Packer quando olha para a frase
“padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado” pede para que leiamos a frase de
trás para frente: “Foi crucificado sob Pôncio Piltaos padeceu”. “ ‘Foi
crucificado’. Esta era a forma padrão romana de executar criminosos. Dizer ‘Jesus
foi crucificado’ é como dizer que ele foi enforcado ou foi para a cadeira
elétrica”[8].
Quando observamos isso, vemos que o sofrimento de Cristo foi singular e único
na história da humanidade.
II
– CRISTO FOI CRUCIFICADO.
“Foi Crucificado” ou no latim
“crucifixus”
Quando lemos essa declaração as vezes não ponderamos
no que ela realmente significou ou significava para aqueles que tiveram o
contato com o credo primitivamente. “A crucificação era uma morte humilhante,
infame, no mundo antigo. Eram os piores bandidos que eram crucificados”.[9]
A escritura revela traços da crueldade da crucificação feita ao nosso redentor.
Porque na palavra de Deus é-nos dito que todo aquele que for “pendurado no
madeiro” é maldito (Gálatas 3.13). Esta declaração paulina é uma citação de
Deuteronômio 21.23.
Mas, como era a crucificação nos tempos de Cristo? Franklin
Ferreira traz informes interessantes que respondem a esta questão:
E o crucificado não era morto pelos cravos ou pregos.
Algumas vezes estes não entravam na palma da mão da pessoa (como costuma ser
retratado em quadros ou filmes antigos), mas entre os dois ossos acima do
pulso. Algumas vezes, também, os pregos também não eram colocados sobre os pés,
mas na parte do lado do calcanhar, que eram esmagados no processo. Em algumas
cruzes a pessoa era pendurada numa posição mais ou menos sentada, o que a
levava a morrer de asfixia, perdendo o ar lentamente. O tempo que levava para a
pessoa morrer era mais ou menos dois ou três dias. A pessoa geralmente era
crucificada no lugar onde ela cometera o crime, quando era capturada por uma
tropa romana. Por isso, Jesus Cristo é crucificado fora da cidade de Jerusalém
(Hb 13.12), junto com os dois salteadores, à esquerda e à direita. Podemos
imaginar as pessoas zombando, jogando pedras, ridicularizando aqueles que
estavam morrendo daquela morte horrorosa, demorada e violenta. Algumas vezes,
os soldados empalavam aqueles que estavam sendo crucificados; isto é, eles
enfiavam uma lança no orifício anal do crucificado. Aquele que era crucificado
era degradado. Podemos imaginar abutres e corvos pousando sobre aqueles
crucificados ainda vivos, bicando, machucando, e a pessoa completamente impotente,
lentamente sendo morta. Assim eram as crucificações naquela época.[10]
III
– CRISTO FOI MORTO E SEPULTADO
“Morto
e sepultado”
Agora nos compete tratar destes dois eventos
singulares para fé cristã. A morte e o sepultamento do redentor do povo de
Deus. A morte de Cristo se manifesta neste mundo como emblema de que a maldição
edênica (Gênesis 2.17) se faz realidade no autor da vida.
O Catecismo de
Heidelberg no domingo 16 na questão 40 indaga a respeito da necessidade de Cristo
sofrer a morte de cruz – a resposta diz “porque a justiça e a verdade de Deus
exigiam a morte do Filho de Deus. Não houve outro meio de pagar nossos
pecados”.[11]Ursinus
em seu comentário ao Catecismo de Heidelberg declara:
Era necessário que Cristo, para fazer satisfação, não
apenas sofresse, mas também morresse:
Por causa da justiça de Deus. O pecado é um mal de
tamanha magnitude, que, de acordo com a ordem da justiça, ele merece e exige a
destruição do pecador; pelo motivo de que aquilo que é ofensivo ao bem supremo
só pode ser expiado com o castigo mais severo e a destruição extrema do
pecador, ou seja, com a sua morte, como está escrito: "pois o salário do
pecado é a morte" (Rm 6: 23). Cristo assumiu nosso lugar e se tornou a
pessoa daqueles que haviam pecado e mereciam não apenas a morte eterna, mas
também a morte temporal; pois tínhamos merecido a destruição que consiste na
separação entre a alma e o corpo, e uma vez que isso ocorra, o próprio corpo
também é destruído, assim como uma casa é dita destruída quando suas partes são
separadas umas das outras. Portanto, era necessário que o Filho de Deus
morresse a fim de que um resgate suficiente pudesse ser feito, o que não
poderia ter sido realizado por uma mera criatura.[12]
O
credo também ensina que o nosso redentor foi “sepultado”. Este é o último
estágio, por assim dizer, da humilhação de Cristo. Barth capitou bem essa ideia
quando escreveu: “ ‘sepultado’ dá à morte o caráter de passagem e declinío e à
existência humana o caráter de transitoriedade [aquilo que é passageiro] e
corruptibilidade [causa deteriozação]”.[13]
O Sepultamento de Cristo não foi um caso fortuito, na verdade foi evento
profetizado, por tanto, planejado por Deus conforme lemos “designaram-lhe a
sepultura com os perversos, mas com o rico esteve na sua morte, posto que nunca
fez injustiça, nem dolo algum se achou em sua boca” (Is 53:9). Gerard van
Groningen comentando este texto de Isaías declara:
a passagem deixa claro que o Servo morre como morre um
criminoso e é enterrado como o rico é enterrado. O Servo, embora tratado como
um criminoso, é totalmente inocente. Nem em atos, nem em palavras ele se fez
culpado. Manteve a sua inocência em toda a sua vida e na sua detenção,
julgamento e morte.[14]
[1] BEEKE,
Joel R; ELLA, George. (ed). BULLINGER, Henry. The Decades. Volume 1.
Decade 1. Grand Rapis: Reformation Heritage Books, 2004, p.134
[2]
MARRA, Claúdio (ed). Confissão Belga e Catecismo de Heidelberg. São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 2011, p.39.
[3]
Veja-se BARTH, Karl. Credo - Comentário ao Credo Apostólico. São Paulo: Editora
Fonte Editorial, 2010, p.82.
[4]
URSINUS, Zacharias. Commentary On The Heidelberg Catechism. The Synod of the Reformed Church
in the United States (RCUS), 2004,p.394
[5] BEEKE,
Joel R; ELLA, George. (ed). BULLINGER, Henry. The Decades. Volume 1.
Decade 1. Grand Rapis: Reformation Heritage Books, 2004, p.134
[6] BARTH,
Karl. Credo - Comentário ao Credo Apostólico. São Paulo: Editora Fonte
Editorial, 2010, p.86
[7]
BEEKE, Joel R; ELLA, George. (ed). BULLINGER, Henry. The Decades. Volume
1. Decade 1. Grand Rapis: Reformation Heritage Books, 2004, p.135
[8]
PACKER, J.I. Affirming the Apostles’ Creed,Grand Rapis: Crossway Books,
2008, p.79.
[9]
FERREIRA, Franklin. O Credo dos Apóstolos – As Doutrinas Centrais da Fé Cristã.
São José dos Campos – SP: Editora Fiel, 2015, p.175.
[10] Idem.
[11]
MARRA, Claúdio (ed). Confissão Belga e Catecismo de Heidelberg. São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 2011, p.50.
[12]
URSINUS, Zacharias. Commentary On The Heidelberg Catechism. The Synod of the Reformed Church
in the United States (RCUS), 2004,p.408 –
ênfase nossa.
[13]
BARTH, Karl. Esboço de uma Dogmática. São Paulo: Fonte Editorial, 2006,
p.166
[14] Gerard
van Groningen, Revelação Messiânica no Antigo Testamento (São
Paulo, Editora Cultura, 2ª ed., 2003), p. 607.
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